quinta-feira, 20 de março de 2014

EVENTUALMENTE

No segundo volume de Textos de Guerrilha, Luiz Pacheco incluiu uma recensão ao livro A Farsa da Europa (Claude Bourdet). Data o texto, originalmente publicado no Diário Popular, de 9 de Novembro de 1978. É de relembrar, passados mais de 35 anos, algumas das dúvidas aí formuladas:

Bourdet não é contra a Europa, não é um xenófobo, mas um europeu convicto. (…) Com estas credenciais, Claude Bourdet ainda se abona de ter participado nas primeiras tentativas, logo em 1946-47, no sentido da construção europeia. Estas iniciativas de esquerda provinham da franja, ainda muito limitada nessa altura, dos socialistas e progressistas que rejeitavam a divisão do mundo em dois blocos, os primeiros prosélitos do não-alinhamento. Porém, para Bourdet e outros, a Europa só representava um objectivo válido se fosse uma Europa dos trabalhadores, impedindo o regresso ao poder do capitalismo europeu. O que aconteceu? Alargando-se o movimento, os novos participantes pensavam que era preciso começar por fazer a Europa e que o socialismo viria, eventualmente, depois. Este eventualmente, com seu quê de milagroso ou fortuito, se Deus quiser ou pode ser que calhe, desviou-me das preocupações de Bourdet para outras, nossas e prementes. Não é que andamos, vai para cinco anos, numa via socializante em que, no dia-a.dia, vamos assistindo ao derrube insolente e não poucas vezes brutal, até sangrento, das estruturas — as poucas mas eficazes —socialistas, instituídas até ao VI Governo Provisório? E a continuar assim eventualmente se chegará a algum socialismo? Claude Bourdet parece estar tão a par da situação nacional que, já em 1977 —data da publicação deste livro em França —, escrevia:

«…um partido socialista reconvertido ao Molletismo e telecomandado por Bona e, através de Bona, por Washington, à maneira do Partida Socialista Português.»

(…)

Numa linguagem que alia à facilidade de comunicação uma força de argumentação solidamente informada, Claude Bourdet vai desmontando patranhas da propaganda capitalista, vai-nos certificando que os três mitos — o da integração europeia, o da segurança atlântica e o da defesa nuclear francesa — estão a conduzir a uma situação ainda mais grave, a qual é a da eleição do parlamento europeu por sufrágio universal e, daí, a um executivo supranacional, que não deixará de ser cupulado pela direita e pelos alemães.


A história veio dar razão aos avisos de Claude Bourdet e à leitura de Luiz Pacheco, assim como dará ao manifesto dos 74+74. Eventualmente, os mais populares comentadores de economia na imprensa portuguesa estarão velhos e caducos. Ou então são simplesmente pueris. 

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