segunda-feira, 31 de outubro de 2016

ARTE POÉTICA


"Le silence est notre langue maternelle"
Samuel Beckett

A poesia esburaca o tecido da linguagem.

A escrita deserta perpétuamente do seu espaço.

Cada palavra que escolhemos é a renúncia de outra
que nos teria escolhido.

A verdade é apenas uma partilha de ilusões.

Há fronteiras interditas ao homem, há lugares
onde a vida e a morte trocam os seus atributos.

Homem-ponte, passo de uma memória a outra.

E se Deus fosse a sua própria vítima?

O homem criou o tempo para justificar a sua presença.
Para justificar a sua ausência, criou a eternidade.

Deus existe fora do esquecimento, fora da memória,
mas a ambos atravessa.

O silêncio é o encontro que a palavra recusa.

Quanto mais se ama, mais a gravitação diminui.


Anise Koltz (n. 12 de Junho de 1928, Eich, Luxembourg, in Cantos de Recusa, tradução colectiva (Mateus, Maio de 1993), revista e apresentada por Casimiro de Brito, Quetzal Editores, 1994.

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