segunda-feira, 28 de novembro de 2016

CONFORTO DO LAR

Deverá o conforto de um lar determinar a credibilidade de uma opinião?
Opiniões de barriga cheia acerca do problema da fome são credíveis?
Precisará de contrair o vírus aquele que o trata?
Se a fome impede o pensamento, como pensar a fome sem estar alimentado?
Aquele que atravessou o terror estará mais habilitado a falar acerca do terror do que aquele que nunca o atravessou?

O que é um lar confortável para o animal selvagem?
Poderá o macartismo ser aceitável?
Que credibilidade oferecer a teorias sobre a liberdade proferidas por aquele que coloniza?
A caridade iliba o crime?
Mais simples: quem estou eu a ajudar se comprar umas sapatilhas Adidas made in Camboja?

6 comentários:

Cuca, a Pirata disse...

Este teu post fez-me lembrar que há uns anos atrás um grupo de iluminados lembrou-se que o programa de formação de juízes deveria incluir uma noite na cadeia para saberem como era o sítio para onde mandavam as pessoas que condenavam. Vá que ninguém se lembrou de lhes ampliar a formação, vitimando-os, para que melhor se pudessem identificar com as vítimas.
Não. Não precisamos passar pelas coisas para as compreendermos. Basta a capacidade de empatia e essa até se aprende nos livros.

Cuca, a Pirata disse...

(Sobre as Adidas, compro as porcarias que quero independentemente da forma como são produzidas. Não estou emocionalmente preparada para esse tipo de ética e até temo que, no limite, me levasse ao vegetarianismo. Não quero ser vegetariana. Não gosto de vegetarianos)

hmbf disse...

Concordo com o primeiro comentário, mas a ideia dos juízes parece-me muito boa. :-)

Quanto ao segundo comentário, discordo em parte. Não gosto nem deixo de gostar de vegetarianos, são opções que respeito desde que respeitem igualmente a minha opção por um belo cozido à portuguesa.

Já sobre a forma como os produtos são produzidos, tenho imensas inquietações.

Jorge Muchagato disse...

Cada um é a sua cabeça e o conhecimento não é possível sem o sofrimento, real ou empático. Sim, é preciso passarmos pelas coisas para as compreendermos com inteireza aceitável. Mas sendo cada um a sua cabeça é também cada um a sua capacidade de «ser» o outro e de se aproximar às suas razões e às suas circunstâncias. É a cabeça e a sensibilidade, a capacidade de sair de si, que marcam a qualidade da aproximação. Em todo o caso, sim, é necessária a capacidade de passar pelas coisas e de as transpor para as compreendermos e suponho ser precisamente isso aquilo que faz com que vejamos na adversidade a formulação da pergunta à nossa força anímica. Portanto, ajudar o semelhante é uma conta de si para si e o que é esse semelhante é uma conta dele para com ele. Estar de mão estendida à porta de um supermercado já é suficientemente humilhante e ninguém pode dizer que compreende isso porque não compreende, não sabe o «que» está dentro de quem lá está. Nem de quem corre para as traseiras do supermercado para receber a comida à beira do fim do prazo de validade ou fora desse prazo. Pode imaginar e sofrer essa imaginação consoante a sua experiência, mas saber não sabe. E até estão aí duas irrealidades encadernadas que decerto venderão muito porque vêm de duas máquinas de lavar roupa onde muita gente enfia a cabeça: o livro da Filomena Mónica sobre a fome e o livro do Cardeal Patriarca sobre «o essencial do que somos». Sucede é que a Mónica e o Cardeal lavam a cabeça dos outros mas não lavam as suas. E sim, a origem dos produtos deve inquietar-nos, tem a obrigação de nos inquietar: estamos a calçar sapatos e a vestir roupa e a decorar as casas no Natal com produtos que são o resultado de condições de trabalho inimagináveis que sabemos de índole esclavagista. Temos portanto a opção, sempre que possível, de dar um destino diferente ao dinheiro que utilizamos. O conhecimento não é possível sem o sofrimento mas esse sofrimento representa um preço que depois se compreende e não um tributo de onde não se pode sair. É por estas razões que hoje vingam e se perfilam neste cochicho indecoroso tantos escritores de História e tão poucos historiadores.

hmbf disse...

Esta é para mim uma questão fundamental: «Temos portanto a opção, sempre que possível, de dar um destino diferente ao dinheiro que utilizamos.» O problema é que tudo na nossa sociedade se opõe a esta premissa básica.

Anónimo disse...

Lembrou-me uma experiência que vivi não fazem duas semanas. Estava eu à procura de um par de sapatos, pois os meus andavam em frangalhos (demoro a substituí-los), e não pensava em gastar muito (não pensava e não podia). E, como não estou emocionalmente preparado para não me preocupar com a forma como os produtos são produzidos, procurava por sapatos de fabricação nacional. Acredita que não consegui encontrar um par que seja que não fosse produzido, às custas de mão de obra quase escrava, em países como Indonésia, Bangladesh, Camboja etc., por um preço razoável? É realmente inquietante.