domingo, 10 de junho de 2018

UM POEMA DE JORGE DE SENA

L'ÉTÉ AU PORTUGAL

Que esperar daqui? O que esta gente
não espera porque espera sem esperar?
O que só vida e morte
informes consentidas
em todos se devora e lhes devora as vidas?
O que quais de baratas e a baratas
é o pó de raiva com que se envenenam?

Emigram-se uns para as Europas
e voltam como se eram só mais ricos.
Outros se ficam envergando as opas
de lágrimas de gozo e sarapicos.

Nas serras nuas, nos baldios campos,
nas artes e mesteres que se esvaziam,
resta um relento de lampeiros lampos
espanejando as caudas com que se ataviam.

Que Portugal se espera em Portugal?
Que gente ainda há-de erguer-se desta gente?
Pagam-se impérios como o bem e o mal

— mas com que há-de pagar-se quem se agacha e mente?

Chatins engravatados, peleguentas fúfias
passam de trombas de automóvel caro.
Soldados, prostitutas, tanto rapaz sem braços
ou sem as pernas — e como cães sem faro
os pilhas poetas se versejam trúfias.

Velhos e novos, moribundos mortos
se arrastam todos para o nada nulo.
Uns cantam, outros choram, mas tão tortos
que a mesquinhez tresanda ao mais singelo pulo.

Chicote? Bomba? Creolina? A liberdade?
É tarde, e estão contentes de tristeza,
sentados em seu mijo, alimentados
dos ossos e do sangue de quem não se vende.

(Na tarde que anoitece o entardecer nos prende).

Lisboa, Agosto 1971

Jorge de Sena, de Exorcismos (1972), in Poesia - III, Edições 70, Agosto de 1989, p. 177-178.

6 comentários:

Jorge Melícias disse...

Que sequaz ou régulo
sujeitará o meu desdém?
Eu morrerei deste século
às mãos de quem?

Quem de entre vós,
desagravando o meu peso,
me elevará a algoz
do meu próprio desprezo?

Quem me jogará a sorte?
A que émulo do meu émulo
deverei eu o que me devo?

Ser da minha morte
o inteiro asco do meu século
e do meu século por fim coevo.

hmbf disse...

É teu?

Jorge Melícias disse...

Se eu puxei a tosse e preenchi os espaços com esse escarro, sim. Mas o catarro é o de mais alguns.

hmbf disse...

Agrada-me.

Jorge Melícias disse...

É porque és um catarrento.

hmbf disse...

Medicado, ainda por cima.