segunda-feira, 13 de agosto de 2018

AMORES DE VERÃO #1



Acabará o Verão. Começará Setembro. Abrirá
a caça aos patos, às galinholas. "Ah, como estás
velho" dir-te-á uma, e tu engatilharás a de dois canos,
não para levantar uma rola, mas para recobrar ânimo.
E as narinas fremem com os pêssegos secos que vendem
na rua. Mas, fora isto, muda tão rápido o mundo,
como se tivesse adoptado em dado momento
as manias extravagantes dum estrangeiro moreno.

Nisto, o Outono, claro, não é tido nem achado. Nem a dor
do rosto alterado como o da fera que investe contra o caçador,
mas esta sensação de pincel pousado ao lado duma pintura
a que falta princípio e fim, caixilho e estrutura.
Para não falar do museu, para não falar do gancho.
E o comboio passa ao longe na planície apitando,
embora, vendo bem, não seja visível o fumo.
Mas, do ponto de vista da paisagem, obrigatório é o movimento.

Isto aplica-se ao Outono, a todos os tempos,
a quando deixas de fumar e também quando
as árvores parecem carris que rejeitaram os rodeiros
e enferrujam no desvio para o alto do outeiro.
E não tens na garganta uma bola, mas um ouriço inteiro,
pois já não podes apreciar as linhas dum cargueiro
que ao largo passa, e o perfil dum aeroplano,
desprovido de auréola, nas alturas parece estranho.

A velocidade é só isto. A amiga tinha razão — quem diria?
Um antigo romano que acordasse agora que reconheceria?
Uma pilha de lenha, a textura duma nuvem, os pombos nas alturas,
a água parada, qualquer coisa na arquitectura,
mas nem uma cara. Ainda há quem passe a fronteira
de vez em quando, mas, a uma segunda vida sem direito, 
regressa a casa a correr, de terror o olhar desfeito.
E o lenço, do adeus não refeito, 

agita-se e vibra ainda ao vento. Outros, cuja sorte foi amarem
qualquer coisa mais do que a vida, sempre souberam
que a segunda vida é, afinal, a velhice, e deixam-se
ficar ao sol, brancos como o mármore, nunca escurecem.
E, sem desprezarem os prazeres da história, olham fixamente
um ponto distante. Pois que, quanto mais os pontos forem,
mais manchas terão os ovos — jogamos aqui ao esconde-esconde —
da codorniz, da galinhola e da perdiz que se levanta não sei onde.


Iosif Brodskii (n. São Petersburgo, antiga Leninegrado, 24 de Maio de 1940 - m. Nova Iorque, 28 de Janeiro de 1996), in Paisagem com Inundação, trad. Carlos Leite, Cotovia, Outubro de 2001, pp. 53-55.

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