REVOLUÇÃO

Esta noite sonhei com uma revolução. Saí na direcção da rua a correr, excitadíssimo. Não vi ninguém, as ruas estavam vazias. Só uns rapazes da Glovo e da Uber, montados em lambretas, bicicletas, cadeiras de rodas, de um lado para o outro a transportarem todo o tipo de porcarias com que as pessoas saciam corpo e alma. Eu sabia que a revolução estava a acontecer, tinha visto na internet, não havia como duvidar, pelo que não me permiti desmotivar. Quedei à espera da multidão em fúria. Puxei do telemóvel e constatei os relatos, as indignações, os temores dos contra-revolucionários e as insinuações dos reaccionários, apelos à violência, uma batalha campal de insultos cuspidos em todas as direcções. Era a revolução, havia sangue nas artérias da rede, em cada fio um corredor de gente revoltada, enraivecida, escandalizada, e em cada nó onde os fios se entrelaçam lá estavam os megafones com palavras de ordem e chuvas de pedras, barricadas de progressistas contra trincheiras de conservadores, bandeiras ao alto, o mundo nunca mais seria o mesmo, finalmente o apocalipse. Mas nas ruas não se passava nada, vazias como o maço de cigarros amarrotado que vi numa berma. Tudo pacífico, silencioso, só se ouviam passarinhos, melros, pardais, rolas, pombos, gaivotas e as primeiras andorinhas. Regressei a casa desmoralizado. A minha mulher e as minhas filhas assistiam à revolução através de telemóveis implantados nas palmas das mãos. A Beatriz via a revolução acontecer no Tik Tok, a Matilde seguia os acontecimentos no Twitter, a Ana discutia com as amigas por WhatsApp os avanços e recuos da revolução. Deitei-me na cama a ler um manual de guerrilha escrito pelo Che Guevara, ao mesmo tempo que fazia festas à cadela deitada a meu lado. Se ela não tivesse ladrado eu nem tinha dado por isso. Tocaram à campainha, fiquei apreensivo. Seriam forças progressistas ou a contra-reacção? Atendi. Era um rapaz da Glovo, vinha entregar-me uma revolução.