quinta-feira, 15 de novembro de 2018

TAZA, SON OF COCHISE (1954)



   Filho de dinamarqueses, Douglas Sirk (Hans Detlef Sierck) nasceu na Alemanha no dia 26 de Abril de 1897. O interesse pelo teatro e pelo cinema surgiu antes de ter sido estudante de Direito, Filosofia e História da Arte. Por mero acaso, acabou como encenador de uma peça que obteve relativo sucesso. Em 1925 foi pai pela primeira vez. Curiosamente, Klaus Detlef Sierck tornou-se ainda criança num dos principais actores da propaganda Nazi. Divorciado da primeira mulher, casado agora com uma judia, Sirk foi impedido de ver o filho que acabaria por morrer durante a II Grande Guerra num conflito travado em terras ucranianas.
   Hans Detlef Sierck realizou vários filmes na Alemanha, antes de se ter mudado para os EUA reiniciando a carreira de realizador como Douglas Sirk. Logo em 1942, atraiu atenções com o declaradamente antinazi Hitler’s Madman. John Carradine, que entrou no mítico Stagecoach/Cavalgada Heróica (1939), de John Ford, era um dos actores do elenco. Melodramas, thrillers, comédias, são o que mais se encontra num curriculum onde sobressai “um western memorável”. Taza, Son of Cochise/Herança de Honra (1954) tem a particularidade de oferecer aos indígenas todo o protagonismo. Não sendo fiel à História, apoia-se em personagens reais.
   Rock Hudson representa o papel de Taza, filho mais velho de Cochise. Figura tutelar entre os Apache da tribo Chiricahua, Cochise chefiou a sua tribo em várias guerras até assinar um tratado de paz com a cavalaria norte-americana. Rivaliza com Geronimo, que nunca quis assinar tratados de paz e combateu os brancos até lhe restarem forças. Broken Arrow/A Flecha Quebrada (1950), de Delmer Daves, recria a rendição de Cochise. O filme de Sirk vai beber tanto da sua inspiração a esse filme aliás, Jeff Chandler é o actor que faz de Cochise nos dois filmes como a Fort Apache (1948), de Ford. São filmes onde os índios aparecem num raro enquadramento, expurgado de leituras diabolizadoras ou, o que por vezes ainda é pior, altamente paternalistas.
   Taza, Son of Cochise/Herança de Honra (1954) começa com a cerimónia fúnebre de Cochise, que então passa a liderança da tribo ao filho mais velho. Taza tem um irmão, Naiche, a quem o pai pede no leito da morte que defenda o irmão na prossecução da paz com os homens brancos. Mas Naiche prefere juntar-se a Geronimo, dando continuidade a uma luta armada à revelia do novo líder Apache. Entre os irmãos desavindos há ainda uma mulher, Oona, filha de Águia Cinzenta, que Taza pretende para sua mulher. Este duplo conflito apenas apimenta a história, não é especialmente interessante e desvia-se de uma linha narrativa que podia concentrar-se nos factos mas prefere dar asas à imaginação.
   É verdade que Cochise morreu de causas naturais, mas a ideia de que foi um pacificador não é verdadeira. Ele manteve acesos focos de resistência até se ter rendido ao General George Crook, apoiado na perseguição do líder por Apaches batedores. O aspecto mais discutível deste filme é a imagem que faz passar de Geronimo, rebelde oportunista e traiçoeiro. Cochise morreu em 1874, tendo a tribo sido posteriormente deslocada para uma reserva em San Carlos. Taza morreu apenas dois anos depois, de pneumonia, na sequência de uma viagem a Washington D.C. O irmão Naiche, que surge assassinado no filme na sequência de um conflito entre brancos e índios, viveu com os Mescalero até ao final dos seus dias. Discutiu com Geronimo a rendição em Março de 1886.
   O filme de Douglas Sirk é, pois, uma ficção construída a partir de interpretações livres dos factos históricos. As desavenças tribais podem aqui ser lidas à luz de acontecimentos históricos externos, mostrando como a divisão entre os mais fracos é tantas vezes a sua maior fraqueza. Enquanto estiveram unidos, os Apache foram conseguindo pequenas vitórias que permitiram negociar e reivindicar com proveito. A divisão levou à rendição, e desta à morte lenta em reservas foi um passo curto. O que este filme tem de memorável é a tentativa levada a cabo de humanizar os índios na tela do cinema, resgatando-os de um limbo onde ou tinham sido retratados como selvagens ou simplesmente caricaturados como pobres imbecis. Sirk oferece-lhes um rosto humano, com seus tradicionais conflitos familiares, com suas divisões, com atitudes perante a lei mais rigorosas do que por vezes se pretende supor.

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