TOMO BANHOS IMPERADORES
Tomo banhos imperadores e
curtos, por onde passo
panos ensopados perfumejam
Quem me ignora
fixa monumentos, lados de lá,
endeusa à selvagem os restos
que com ânforas e molhos ardentes
meu cheiro próprio, se vou nas escadas,
lhes sabe mal atrás
E depois são espasmos,
fetiches nas abóbadas suicidas,
47 escadas de verduras
dentro do pâncreas do sótão
aos oitos, como andorinhas
brilhando num sol depenado
a espelhar dos peixes aquilo que
espinham esperando, sem favores, só com
exagero e contágio,
imitando as paredes falsas de
sonhos com prédios livres e antigos
sem ninguém a ver, sem ninguém lido
*
IR POR OUTRO CAMINHO
Ineficados, sazonais, à espera do convite
e dedicados a ti
A Grande Máscara Tema
como se no mundo todas as trepadeiras para roxo escuro
passassem,
do verde para esse tom treva mutável,
e não acontecia mais nada,
talvez
um círculo a rachar sonhos, templos murchos,
ou o rachar dos sonhos, o prender da hora da fissura
ou quadros em remendos pendurados,
bebendo-se café de saco, as luzes frias e as
naturezas carrascas
de mãos dadas numa Alexandria de ciúmes, que é
a pior sensação de que me lembro e que um dia
não me lembro porque crepitam as palmeiras,
tomam banhos imperadores mas curtos
e o cheiro velho da expressão
encosta-se demasiado à inovenção
— os versos ficam esquálidos, gordos
e roubam folha por pouco e para pouco —
e isso eu não gosto
Gonçalo Perestrelo (n. 1991), in Tomo Banhos Imperadores
(Douda Correria, Janeiro de 2020). A filiação literária de Gonçalo Perestrelo denuncia-se
quando, a páginas tantas do livro “Tomo Banhos Imperadores”, diz: «Ligo-as:
manhã-forte, tarde-fallorca, às tantas-cesariny». A dada altura Fallorca também
é vento, porventura do que espalha sementes por uma terra onde a herança beat se enxertou com a raiz surrealista. Uma referência mais contemporânea ao
poeta Rui Costa permite associar esta poesia ao gozo de misturar imagens
dispersas, por vezes concentradas e encavalitadas em breves relatos que
aparentam a busca de um fio condutor. Alternando o poema em verso com um bloco
intermédio em prosa, Gonçalo Perestrelo faz da poesia um argumento contra a
linearidade. A uma sintaxe disruptiva alia a arte do neologismo, alcançando, amiúde,
estranhos estados visuais e sinestésicos onde a modernidade sufoca sob o peso
de um imaginário antigo. Mais do que buscar sentido, parecem estes poemas ter
interesse em rompê-lo. Se da conjugação de palavras intenta novos sentidos e
significados, é com a justaposição e aglutinação de imagens que melhor consegue
desenhar cenários poéticos onde real e onírico se confundem e nos cativam.
4 comentários:
Se por acaso alguém nunca ouviu falar de Fallorca, ou Cesariny ou Costa, e se mais não acha de que tais nomes para sobre estes textos falar (ressalvando habilidades "neologisticas" ) estaremos ou não a admitir que não há nisto (grande) ponta por onde se lhe pegue?
A douda correria, bem, a douda correria é uma viveiro de versejadores fraquinhos, se nao frequentemente mauzinhos.
Se por acaso alguém nunca ouviu falar de Fallorca, ou Cesariny ou Costa, e se mais não acha de que tais nomes para sobre estes textos falar (ressalvando habilidades "neologisticas" ) estaremos ou não a admitir que não há nisto (grande) ponta por onde se lhe pegue?
A douda correria, bem, a douda correria é uma viveiro de versejadores fraquinhos, se nao frequentemente mauzinhos.
Até pode ser que sim, mas têm o mérito de fazer tudo sem se esconderem por detrás do anonimato. Quem se esconde por detrás do anonimato só me merece um comentário:
Gosto deste blogue, considero-o bom. Anonimamente o digo, também. Em defesa da minha "honra anónima", tenho a dizer que quando contribuo para alguma causa solidária também o faço anonimamente. O autor do blog reserva-se o direito legítimo de ter activada a moderação de comentários. Possivelmente faz bem. Saúde.
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