quinta-feira, 6 de maio de 2021

UM POEMA EM PROSA DE JULES LEFÈVRE-DEUMIER

 


OS CAMINHOS DE FERRO

É impossível olhar sem uma espécie de tristeza esses caminhos maravilhosos aos quais a nossa indústria parece dar asas. Não sei se é um progresso poder-se rasgar assim o espaço como uma flecha; mas o que é certo é que isso me torna mais sensível à rapidez da vida que, antes da nossa invenção, o era já suficientemente célere. As ranhuras de ferro sobre as quais somos forçados a correr sem nos desviarmos nem uma linha, levados por uma potência tão cega, quase tão indomável como o relâmpago, não serão uma imagem do destino implacável que nos arrasta, e do qual somos escravos quando julgamos dominá-las? Pensamos ganhar tempo porque aceleramos a passagem do tempo. Mas essas viagens estonteantes apenas abreviam a existência que, já de si, não passa de uma travessia. Não permitem a memória, que é o único meio de que o homem dispõe para prolongar e duplicar os seus dias. A única lembrança que nos deixam é a de que vamos depressa. Ir depressa é morrer mais cedo.


Jules Lefèvre-Deumier, in Embriagai-vos - Antologia de Poemas em Prosa de Autores Franceses, selecção e tradução de Regina Guimarães, prefácio e notas biográficas de Saguenail, FLOP, Outubro de 2020, p. 106.

2 comentários:

sonia disse...

Texto maravilhoso! Sinto isso, a necessidade de ir devagar porque já tive pressa...aliás esta é uma frase contida em uma canção de Almir Satter. Com idade avançada, cada vez mais vivo na memória, apreciando o tanto de vida que me foi dado viver e agradecendo por estar relativamente lúcida para não enlouquecer com minhas mazelas....


sonia disse...

Por isso prefiro as viagens de trem às de avião. Para que pressa? É tão bom contemplar a viagem em si em todos os detalhes possiveis!!!