segunda-feira, 3 de maio de 2021

UM POEMA EM PROSA DE MARCEL SCHWOB

 


MIMÉTICO XIII

As figueiras deixaram cair os seus figos e as oliveiras as suas azeitonas; pois aconteceu uma estranha coisa na ilha de Skyra. Uma moça fugia, perseguida por um rapaz. Tinha levantado uma aba da sua túnica e via-se o rebordo das ceroulas de gaze. Ao correr, deixou cair um pequeno espelho de prata. O rapaz apanhou o espelho e nele se mirou; contemplou os seus olhos cheios de sagacidade, amou a razão que exprimiam, parou a sua perseguição e sentou-se na areia. A moça começou de novo a fugir, perseguida por um homem de idade madura. Tinha levantado a bainha da túnica e as suas coxas pareciam polpa de algum fruto. Na sua corrida, uma maçã de ouro tombou do seu regaço. E aquele que a perseguia apanhou a maçã de ouro, escondeu-a na sua túnica, adorou-a, parou a sua perseguição e sentou-se na areia. E a moça mais uma vez se pôs em fuga, mas os seus passos eram menos rápidos. Pois era perseguida por um velhote cambaleante. Tinha baixado a túnica e os seus tornozelos estavam envoltos num tecido iriado. Mas enquanto corria, uma estranha coisa aconteceu: um após o outro, os seus seios desprenderam-se do tórax e caíram ao chão como nêsperas maduras. O velhote aspirou profundamente o cheiro de ambos. E a moça, antes de se precipitar para o rio que atravessa a ilha de Skyra, soltou dois gritos de horror e pesar.


Marcel Schwob, in Embriagai-vos - Antologia de Poemas em Prosa de Autores Franceses, selecção e tradução de Regina Guimarães, prefácio e notas biográficas de Saguenail, FLOP, Outubro de 2020, p. 296.

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