sábado, 26 de junho de 2021

J.B. VÊ CHEGAR O FIM

 


J.B: (Afastando-se da cama na semiobscuridade.) Eles entram na minha cabeça e descem-me pelo corpo. Até ao coração. À barriga. Ao sexo. Tornei-me incapaz de fazer amor. Tenho a impressão de que eles estão sempre aqui, entre mim e ti. E instalaram-se no meu interior. Tornaram-se bocados de mim  próprio e eu um bocado deles todos. Somos todos parecidos. Já não nos parecemos com nada. (Pega numa garrafa de whisky J&B a três quartos vazia e emborca grandes goladas da sua bebida favorita.) Pobre J.B.! (Golada.) Ele era o mais feliz dos homens. A mulher amava-o — ela não teria adormecido enquanto ele se consumia. Eles tinham dois filhos adoráveis — um rapaz e uma rapariga. Mateus e Josiana — ele chamava-lhe Jo ou Josi. (Golada.) Era o J.B. do passado. Tinha um trabalho estável, um apartamento muito seu. E, sobretudo, tinha esperanças, todas as esperanças. Que a sua mulher lhe desse um terceiro filho (golada), que ela deixasse de trabalhar — ele não gostava de a ver chegar arrasada depois de um dia na caixa do supermercado. Que os seus três filhos fizessem cursos a sério, que singrassem na vida. Esperanças que nos fazem viver, que nos aquecem o coração. Com ideias destas na cabeça não é preciso jogar no Totoloto. (Golada.) Podia avançar com os pés bem assentes. Sentia-se rico com tudo aquilo. Quarenta anos. Ele ainda era jovem. O futuro estava cheio de promessas... (Golada.) Agora já não resta nada. Nada. Só uma acumulação de catástrofes. Uma parede intransponível. Dá com a cabeça contra ela. A parede entrou-lhe na cabeça. Já não sobra nada. Só o fim... O fim das possibilidades. (Murmurando.) Gladys, socorro! (A garrafa de J.B. está vazia. Ele vai-se abaixo.)

Jean-Pierre Sarrazac, in O Fim das Possibilidades, Húmus, coleção Teatro Nacional São João, trad. Isabel Lopes, Março de 2015, pp. 32-33.

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