sábado, 7 de maio de 2022

ANA

 


   A vida da corte passa-se em divertimentos cómicos, de mistura com a crueldade e o sadismo orgiástico duma imperatriz dissoluta. As melhores famílias da Rússia fornecem bobos para a corte, que a imperatriz aprecia, fustigando-os e condecorando-os, obrigando-os a lutas sangrentas: aperitivo para as suas orgias eróticas. A imperatriz teve um dia um estranho capricho. Comunicou a um dos seus bobos, um príncipe Galitzine, que o ia casar. Mandou construir no Neva uma casa feita de sólidos blocos com gelo, com um quarto de cama todo mobilado com gelo — cama, cortinados, cobertões, lençóis e travesseiros.
   Todos os povos do império foram convidados para o festim nupcial. O casamento foi na Igreja; e, depois, um grotesco cortejo, com colaboração de bois, cavalos, bodes, porcos, etc., acompanhou os noivis ao palácio do duque de Curlândia, onde foi servido um banquete. O poeta obsceno Trediakovsky, a quem a imperatriz fazia ler de joelhos diante dela poesias eróticas, leu uma composição comemorativa. À tarde o cortejo acompanhou os noivos ao seu palácio de gelo, onde estes foram obrigados a passar a noite, impedidos de sair por sentinelas militares, de vigia às portas. A esta extravagante senhora sucedeu como regente sua sobrinha Ana, que ela fizera casar à sua vontade contra todas as tendência do seu coração. A segunda Ana, esbofeteada por sua tia, tivera de aceitar não só o casamento mas até o cumprimento de todos os deveres conjugais. Esta, feita regente, chama o seu amante e tenta casá-lo com uma amiga, que lho ponha à disposição. Todo o seu governo é ligado à sua vida de amante e a política exterior é descurada, apesar dum encontro feliz com a Suécia.

Leonardo Coimbra, in A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre (1935). Pedro, o Grande, Catarina Primeira e Pedro II.

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