5.
Mas o pior do mundo são
lambe-botas
engraxadores de unhas polidas
a transportarem às costas
novelos de bosta
imitando escaravelhos
mas ainda mais feios
porque brancos e rapados
arrastando como sombras
apelidos esculpidos pelo sangue
Mais do que os papa-jantares
são piores os corcundas do beija-mão
copiando profetas em ruas despovoadas
alardeando o fim do mundo
quando o mundo ‘inda nem teve ensejo de explodir
ondas de choque
supernovas
fusões nucleares
É a sabujice servil dos oportunistas
capazes de cuspir no prato
apascentado por bestas
embriagadas de bílis e de esmolas
essas lapas bajuladoras
achegando-se como lambisgóias
de fartas cabeleiras encaracoladas
É a sevandija parasitária dos deferentes
sempre prontos a acatar ordens
dizendo que sim com a cabeça
arremelgando olhos
estendendo mãos
com pescoços apertados em gravatas
escolhidas a dedo para a ocasião
Enquanto publicamente se denotam
selvagens e furiosos
sérios e emancipados
no privado são igualmente domésticos
a vomitar sob pseudónimos
fantasmas de óperas caducas
Tenhamos dó de quem os traduz
e de quem os julga pela aparência
como se rotos fossem os bolsos
dessa escuma que mata a sede
com a baba seca da maledicência
Filhos de pais que foram filhos
são sem dúvida o pior do mundo
insectos
lambe-cus
a zumbir que nem melgas burocráticas
ao redor de tudo quanto cheire a podridão
canalhas de franja aparada
capachos da adulação
rastejando como vermes nas passadeiras
que previamente estenderam e sacudiram
para que reis
presidentes
ministros e vereadores
passeiem o traje decorado em aperto de mão
O pior do mundo
pois claro
esses áulicos cortesãos de forças maiores
cretinos armados ao cuco
cães de caça
lacaios do terror funcionário
com que se infernizam vidas alheias
tão distantes e frágeis
quanto possa ser uma vida
que por ser livre irremediavelmente será
toda ela solidão
Por vezes choram e tremem e suam de temor
pelo que do mal o menos
deixá-los a sós com suas jogadas
no tabuleiro de um xadrez decorado
a alegria do mate não está no rei
mas na infusão em água fervente
que nos devolve à selva
sem lei nem grei
à sorte
Sozinhos em casa compreenderão
que a vida os traiu irremediavelmente
quando em vez da foda matinal
lhes servirem panquecas ao pequeno-almoço
(Godspeed You Black Emperor!
paradise garage, Lisboa, 29 de Janeiro de 2002)
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