quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

LITTLE SHERI (1960)

 


Será cansaço? Palavra que de tantas vezes repetida já cansa. Será saturação? Talvez a paixão tenha sido afectada pela esterilidade do pensamento, cristalizando ideias e imaginação. Porventura palavras novas para vetustas emoções pudessem fertilizar qualquer coisa que nos distraísse, qualquer coisa pelo menos aparentemente nova, mais que não fosse desejosa de espanto. Uma velha emoção numa palavra nova é bem capaz de rejuvenescer, recuperar fôlego para os últimos metros. Mas olhando à nossa volta já só vemos frutos caídos, abandonados na terra sem que alguém se curve para os respigar. O ónus dos ciclos em que vida e morte de cruzam para fazer filhos assim o determinou. Anda a vida prenhe de morte, vai a morte prenhe de vida, e nos ventres de cada uma dessas fêmeas germinam frutos podres. As crianças Yanomami estão magras, subnutridas. As crianças ucranianas, louras, merecem a nossa compaixão. Na Palestina não há crianças com cabelos dourados como anéis papais. As mochilas das crianças no Iémen pesam muito, repletas de destroços das escolas arruinadas por bombas. My little Sheri, a tua mochila não pesa, os teus cabelos transparentes não têm peso, não há medida que te exponha. Estás protegida pela imaterialidade. És fruto sem raiz nem caroço, podes perdurar no ar fundida com o próprio ar. Agarro-me a ti como um louco se agarra às unhas, mordendo os dedos, roendo os ossos, matando a sede com o próprio sangue. Será tédio? Quantos sinónimos temos para tédio num dicionário de língua portuguesa? 365, um para cada dia do ano.

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