quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

UM POEMA DE EDUARDO QUINA

 


VIDA E OBRA DE UM POETA
levava tudo para a retrete

olhar
a mais impura das criações
para fundamentar a existência
criar a realidade
a obra
o conhecimento
a sabedoria
as dionisíacas intérpretes de deus
o silêncio obscuro e sagrado do mundo
no isolamento
                       de uma retrete


Eduardo Quina, in No Princípio era a a Morte [Exercícios sobre Os passos em volta], Officium Lectionis, 2022, p. 30. Diz Luís Maffei no posfácio: «Sem ambicionar a salvação, no entanto, a conversação de Quina com Herberto não deixa de lembrar o que no barroco se chamava de comentário, aquele gênero através do qual muitos leitores lidaram Camões no XVII. Um desses é Faria de Sousa, que, segundo Jorge de Sena, leu Os Lusíadas como se lê um texto sagrado. Eduardo Quina faz gesto (não há aqui metáfora) semelhante, com a diferença de que, em seu livro, há é o «terror da salvação», ou seja, «quem salva quem [...]», ou, palavras de Herberto em «Teorema», «matei-a para salvar o amor do rei». A morte salva o amor? Então o amor  está perdido, o que equivale a dizer que só existe amor de perdição. Herberto e Quina são autores românticos» (p. 40).

1 comentário:

Luis Maffei disse...

A poesia do Quina é das que mais merecem atenção na nossa contemporaneidade em língua portuguesa. Ela é corajosa: não tem medo de tocar coisas muito pesadas da tradição, e delas fazer algo inesperado.