segunda-feira, 21 de maio de 2018

ARTE URBANA

DIZEM AS PAREDES 1

No sector infantil da Feira do Livro, em Bogotá:
O locóptero é muito veloz, mas muito lento.
Na marginal de Montevideu, diante do rio-mar:
Um homem alado prefere a noite.
À saída de Santiago de Cuba:
Como gasto paredes recordando-te.
Nas alturas de Valparaíso:
Eu amo-nos.


Eduardo Galeano, in O Livro dos Abraços, trad. Helena Pitta, Antígona, Março de 2018, p. 83.


DIZEM AS PAREDES 2

Em Buenos Aires, na ponte de La Boca:
Todos prometem e ninguém cumpre. Vote em ninguém.
Em Caracas, em tempos de crise, à entrada de um dos bairros mais pobres:
Bem-vinda, classe média.
Em Bogotá, na esquina da Universidade Nacional:
Deus vive.
E em baixo, com outra letra:
Só por milagre.
Também em Bogotá:
Proletários de todos os países, uni-vos!
E em baixo, com outra letra:
(Último aviso.)

Idem, p. 99.


DIZEM AS PAREDES 3

Em Montevideu, no bairro Brazo Oriental:
Estamos aqui sentados, vendo como nos matam os sonhos.
E no molhe, diante do porto do Buceo, em Montevideu:
Safia velha: não se pode viver com medo toda a vida.
Em letras vermelhas, ao longo de todo um quarteirão da avenida Colón, em Quito:
E se entre todos dermos um pontapé a esta grande bolha cinzenta?

Idem, p. 163.


DIZEM AS PAREDES 4

Em pleno centro de Medellín:
A letra com sangue entra.
E em baixo assinava:
O sicário alfabetizador.
Na cidade uruguaia de Melo:
Ajude a polícia: torture-se.
Numa parede de Masatepe, na Nicarágua, pouco depois da queda do ditador Somoza:
Morrerão de saudades, mas não voltarão.

Idem, p. 209.


DIZEM AS PAREDES 5

Na Faculdade de Ciências Económicas, em Montevideu:
A droga provoca amnésia e outras coisas de que não me lembro.
Em Santiago do Chile, nas margens do rio Mapocho:
Bem-aventurados os bêbados, porque eles verão Deus duas vezes.
Em Buenos Aires, no bairro de Flores:
Uma namorada sem mamas, mais que namorada, é um amigo.

Idem, p. 218.

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