terça-feira, 30 de abril de 2024

DE MÁ CONDIÇÃO

 


"De Má Condição" (2024) é o segundo volume da Colecção Insónia, inaugurada com "A Dança das Feridas" (2011). Tal como aconteceu no passado, também deste volume não farei apresentações públicas nem distribuição pelas livrarias. Trata-se de uma edição única, minha e da Maria João Lopes Fernandes - autora das pinturas na capa e no interior, originais concebidos para este efeito -, que em nenhuma circunstância deverá ser objecto de qualquer reedição. Quem tiver interesse num exemplar, poderá contactar-nos, a mim ou à Maria João, por messenger ou email. O meu email é fialho.henrique@gmail.com. O valor de capa, com portes incluídos, é 10€. São 78 poemas e 9 reproduções de pinturas da Maria João Lopes Fernandes. O design é do Pedro Serpa . Alguns exemplares já chegaram ao seu destino. A Maria João colocou alguns nas livrarias Poesia Incompleta, Snob ( https://www.livrariasnob.pt/product/de-ma-condicao ) e Tigre de Papel.

segunda-feira, 29 de abril de 2024

É TEMPO DE ACORDAR

 


O grande líder inventa uma notícia, propaga a mentira e o séquito de reverentes vassalos reproduz, alimentando o ódio e a divisão e o medo, sempre a meter sal nas feridas. Não há Partido Islâmico Português nenhum, nem podia haver, porque, segundo a lei dos partidos políticos, “a denominação [de um partido] não pode basear-se no nome de uma pessoa ou conter expressões directamente relacionadas com qualquer religião ou com qualquer instituição nacional”. Tudo aquilo é mentira, um site humorístico agora inusitadamente renascido das cinzas onde havia adormecido. O que há é 50 mentirosos compulsivos na Assembleia da República, única e exclusivamente interessados em dividir a sociedade portuguesa alimentando fobias e disseminando ódios. O sinal que não podemos ignorar é que esta escumalha existe e quer o poder, alguns até fanáticos da Opus Dei, essa instituição católica onde ainda vigora um Index Librorum Prohibitorum. É tempo de acordar.

sábado, 27 de abril de 2024

DIZ JOSÉ PACHECO PEREIRA

 
"A mistificação parte do princípio de que em 2024 há unanimidade à volta do 25 de Abril, o que não é verdade. O modo como à direita, radical, se tem usado como contraponto ao 25 de Abril o 25 de Novembro é objectivamente contra o 25 de Abril, até porque o 25 de Novembro da direita é uma falsificação histórica. Não me parece que o objectivo de criar uma comissão oficial para celebrar o 25 de Novembro seja para homenagear o grande lutador pela democracia em 1975 no plano civil, Mário Soares, ou o partido mais relevante nessa luta, o PS, e os militares do Grupo dos Nove, como Vasco Lourenço ou Sousa e Castro ou Ramalho Eanes e o Presidente Costa Gomes, tudo gente que a direita detesta. E limitar essas comemorações a Jaime Neves, que actuou sob ordens, é um reducionismo absurdo, assim como esquecer o papel decisivo de Melo Antunes, que somou à derrota da esquerda militar no dia 25 a vitória sobre a contra-revolução, recusando no dia 26 ilegalizar o PCP."

No Público.

sexta-feira, 26 de abril de 2024

SONSOS

 
Muitos dos que malham agora em Marcelo Rebelo de Sousa são apenas sonsos. Só quem quis foi enganado pelo presidente dos afectos, desde sempre um intriguista verborrágico. Pelo menos desde o célebre sketch dos Gato Fedorento, aquando do referendo sobre a IVG, que deviam estar sobreavisados. Para não falar de vichyssoises e demais ementas.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

HOTEL RUANDA

 
Nos anos 90, a globalização era o el dorado. A queda do muro de Berlim dava o sinal que o Tratado de Maastricht consolidaria e o alargamento do Espaço Schengen tornaria efectivo. O mundo abria-se à livre circulação de mercadorias e de pessoas. Algumas. Os muros que entretanto foram erguidos desmontam a narrativa exibindo a hipocrisia que nos governa. A globalização, a boa, é só para turistas. As pessoas batem com o nariz nos muros da vergonha, morrem afogadas no Mediterrâneo, são detidas em campos de acolhimento sem perspectivas de futuro. E agora são recambiadas para o Ruanda, pelo menos as que metam o pé no Reino Unido. "O parlamento britânico aprovou a proposta de lei que permite o início dos voos de deportação para o Ruanda dos requerentes de asilo que entrem ilegalmente no Reino Unido. (...) Segundo a proposta de lei agora aprovada, Londres pagará ao Ruanda em troca do acolhimento de migrantes." Portanto, mais uma vez, agora e sempre, o negócio das pessoas. Os biliões que se investem na guerra, enquanto lá por Gaza o extermínio da solução final perdura, são a opção deste mundo globalizado do século XXI. Que se fodam as pessoas. Algumas. Há delas que vivem bem com isto, até acham tudo isto muito justificável. Afinal, os macacos que se organizem. Até lá, a gestão do zoológico fica nas mãos sujas dos colonialistas de outrora. Os turistas.

terça-feira, 23 de abril de 2024

ÁGUA BENTA

 

"Existe aquela famosa frase de Vladimir Nabokov: “Penso como um génio, escrevo como um autor ilustre, e falo como uma criança.” Tirando a parte do génio, é mais ou menos assim que me sinto de cada vez que falo na televisão."

João Miguel Tavares, no Público. Também existe aquela frase famosa da Quitéria: "Se ao menos pensasses, não esquerreverrias tais parrevoíces."

O ENCOBERTO

 


"Esperavam por Sebastião, mas mamam com o bugalho."
Quitéria, na fila para pagar do Modelo.


PROPAGANDA

 

"A SIC é o Dica da Semana da AD."
Cipriano, na fila para pagar do Lidl.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

A TRAGÉDIA DE OTELO, O MOURO DE VENEZA

 


BRABÂNCIO
Porque gritais assim tão assustados?
O que se passa?
 
RODRIGO
Signior, estão todos dentro, os da casa?
 
IAGO
As portas estão fechadas?
 
BRABÂNCIO
Mas porquê?
 
IAGO
Senhor, fostes roubado! Ponde roupa.
Forrai o coração para um desgosto:
Está um carneiro preto velho a pôr-se
Na vossa ovelhinha branca neste instante!
Chamai os cidadãos, picai os sinos,
Ou o diabo faz de vós avô.
Pra fora, vá!
 
BRABÂNCIO
O quê? Está tudo doido?
 
RODRIGO
Senhor, reconheceis a minha voz?
 
BRABÂNCIO
Eu não. Quem sois vós?
 
RODRIGO
Sou eu, Rodrigo.
 
BRABÂNCIO
Pois já cá faltava!
Mandei-te pores-te a milhas desta casa.
Parece-me ter sido muito claro:
Esquece a minha filha. Que desplante
Vazares-me aqui à porta os teus maus vinhos,
Armado em fanfarrão, a perturbar
A minha paz!
 
RODRIGO
Senhor, senhor —
 
BRABÂNCIO
Mas podes ter certeza,
Meteste-te co’alguém em posição
De te cobrar bem caro.
 
RODRIGO
Senhor, esperai!
 
BRABÂNCIO
Roubado, que conversa! Isto é Veneza.
Não vivo numa granja.
 
RODRIGO
Bom Brabâncio,
Com toda a estima, venho honestamente —
 
IAGO
Chiça, senhor, sois capaz de vos recusardes servir a Deus, se o diabo quiser. Nós vimos aqui com toda a lealdade, mas preferis meter na cabeça que somos rufias, e isso é mais importante do que ter um cavalo berbere a cobrir-vos a filha. Ides ter netos a nitrir ao pé de vós, puros-sangues, ginetes nos genes!
 
BABÂNCIO
Quem é este ordinário?
 
IAGO
O que vos vem dizer, caro senhor, que a vossa filha e o Mouro andam a brincar à besta de dois costados.
 
BRABÂNCIO
Seu pulha!
 
IAGO
E vós sois um senador!
 
William Shakespeare, in A Tragédia de Otelo, o Mouro de Veneza, tradução de Daniel Jonas, Penguin Clássicos, Maio de 2022, pp. 8-9.

domingo, 21 de abril de 2024

UM POEMA DE LUÍS DE CAMÕES

 


DISPARATES SEUS NA ÍNDIA
 
Este mundo es el camino
Ado hay ducientos vaus,
Ou por onde bons e maus
Todos somos del merino.
Mas os maus são de teor
Que, dês que mudam a cor,
Chamam logo a el-rei compadre;
E enfim, dejadlos, mi madre,
Que sempre têm um sabor
De quem torto nasce, tarde se endireita.
 
Deixai a um que se abone;
Diz logo, de muito sengo:
Villas y castillos tengo,
Todos a mi mandar sone.
Então eu, que estou de molho,
Com a lágrima no olho,
Polo virar do invés,
Digo-lhe: tu ex illis es,
E por isso não te olho;
Pois honra e proveito não cabem num saco.
 
Vereis uns, que no seu seio
Cuidam que trazem Paris,
E querem com dous ceitis,
Fender anca pelo meio.
Vereis mancebinho de arte
Com espada em talabarte;
Não há mais italiano.
A este direis: — Meu mano,
Vós sais galante que farte;
Mas pan y vino anda el caminho, que no mozo garrido.
 
Outros em cada teatro,
Por ofício lhe ouvireis
Que se matarán con três,
Y lo mismo harán con cuatro.
Prezam-se de dar respostas
Com palavras bem compostas;
Mas se lhe meteis a mão,
Na paz mostram coração,
Na guerra mostram as costas;
Porque aqui torce a porca o rabo.
 
Outros vejo por aí,
A que se acha mal o fundo,
Que andam emendando o mundo,
E não se emendam a si.
Estes respondem a quem
Deles não entende bem
El dolor que está secreto;
Mas porém quem for discreto
Responder-lhe-á muito bem:
— Assim entrou no mundo, assim há-de sair.
 
Achareis rafeiro velho,
Que se quer vender por galgo:
Diz que o dinheiro é fidalgo,
Que o sangue todo é vermelho.
Se ele mais alto o dissera,
Este pelote lhe pusera:
Que o seu eco lhe responda;
Que su padre era de Ronda,
Y su madre de Antequera.
E quer cobrir o céu cuma joeira.
 
Fraldas largas, grave aspeito
Pera senador romano.
Oh! que grandíssimo engano!
Que Momo lhe abrisse o peito!
Consciência, que sobeja;
Siso, com que o mundo reja;
Mansidão outro que si;
Mas que lobo está em ti,
Metido em pele de oveja!
E sabem-no poucos.
 
Guardai-vos de uns meus senhores,
Que ainda compram e vendem;
Uns, que é certo que descendem
Da geração de pastores,
Mostram-se-vos bons amigos,
Mas se vos vêem em p’rigos,
Escarram-vos nas paredes;
Que de fora dormiredes,
Irmão, que é tempo de figos;
Porque de rabo de porco nunca bom virote.
 
Que dez eis duns, que as entranhas
Lhe estão ardendo em cobiça,
E se tem mando, a justiça
Fazem e teias de aranhas
Com suas hipocrisias,
Que são de vós as espias?
Pera os pequenos, uns Neros,
Pera os grandes, nada feros.
Pois tu, parvo, não sabias,
Que lá vão leis, onde querem cruzados?
 
Mas tornando a uns enfadonhos,
Cujas cousas são notórias;
Uns, que contam mil histórias
Mais desmanchadas que sonhos;
Uns, mais parvos que zamboas,
Que estudam palavras boas,
A que a ignorância os atiça:
Estes paguem por justiça,
Que têm morto mil pessoas,
Por vida de quanto quero.
 
Adonde tienen las mentes
Uns secretos trovadores
Que fazem cartas de amores,
De que ficam mui contentes?
Não querem sair à praça;
Trazem trova por negaça;
E se lha gabais, que é boa,
Diz que é de certa pessoa.
Ora que quereis que faça,
Senão ir-me por esse mundo?
 
Ó tu, como me atarracas,
Escudeiro de solia,
Com bocais de fidalguia,
Trazido quase com vacas;
Importuno a importunar,
Morto por desenterrar
Parentes que cheiram já!
Voto a tal, que me fará
Um destes nunca falar
Mais com viva alma.
 
Uns que falam muito vi,
De que quisera fugir;
Uns que, enfim, sem se sentir,
Andam falando antre si;
Porfiosos sem razão;
E dês que tomam a mão,
Falam sem necessidade;
E se algῦa hora é verdade,
Deve ser na confissão;
Porque «Quem não mente…» Já me entendeis.
 
Os vós, quem quer que me ledes,
Que haveis de ser avisado,
Que dezeis ao namorado
Que caça vento com redes?
Jura por vida da dama,
Fala consigo na cama,
Passeia de noute e escarra;
Por falsete na guitarra
Põe sempre: Viva que ama,
Porque calça a seu propósito.
 
Mas deixemos, se quiserdes,
Por um pouco as travessuras,
Porque antre quatro maduras
Leveis também cinco verdes.
Deitemo-nos mais ao mar;
E se algum se arrecear,
Passe três ou quatro trovas.
E vós tomais cores novas?
Mas não é para espantar;
Que quem porcos há menos,
Em cada moita lhe roncam.
 
Ó vós, que sois secretários
Das consciências reais,
E que antre os homens estais
Por senhores ordinários:
Porque não pondes um freio
Ao roubar, que vai sem meio,
Debaixo de bom governo?
Pois um pedaço de inferno
Por pouco dinheiro alheio
Se vende a mouro e a judeu.
 
Porque a mente, afeiçoada
Sempre à real dignidade,
Voz faz julgar por bondade
A malícia desculpada.
Move a presença real
Ũa afeição natural,
Que logo inclina ao Juiz
A seu favor. E não diz
Um rifão muito geral,
Que o abade, donde canta, daí janta?
 
E vós bailais a esse som?
Por isso, gentis pastores,
Vos chama a vós mercadores
Um que só foi pastor bom
 
Luís de Camões (1524? – 1580?)


sábado, 20 de abril de 2024

ZEN PARTY

 
As consciências zen do meu tempo, andam com a inteligência tão mergulhada no artificial, que até se esquecem de que há um planeta autêntico para tratar. As consciências revolucionárias do meu tempo, andam com a cabeça tão mergulhada na rede, que até se esquecem de que há ruas onde gritar.

TURISMO TRUÍSMO

Ele é o turismo político, o turismo industrial, o turismo espacial, o turismo literário, o turismo cinematográfico, o turismo sexual, o turismo religioso, o turismo desportivo, o turismo gastronómico, o turismo de guerra, o enoturismo, o ecoturismo, o turismo rural, o turismo de aventura, o turismo de e da morte, o turismo tétrico, o turismo mórbido, o dark tourism... Enfim, não faltam pretextos para entreter as massas. Quitéria pergunta: para quando um turismo do põe-te a milhas e não me fodas o juízo?

sexta-feira, 19 de abril de 2024

PARECE QUE FOI HÁ UM SÉCULO

 
Parece que foi há um século, mas foi anteontem. Andávamos todos embrulhados em arco-íris de esperança com quatro palavras na ponta da língua: vai ficar tudo bem. Parece que foi há um século, mas foi anteontem. Agora é o que se vê, estamos todos bem, o mundo é um caleidoscópio de explosões de alegria. Ou talvez não sejam de alegria. Este é um momento de reflexão, dizia-se. Já devíamos saber que sempre que certos homens se metem a reflectir, dá merda. E oportunistas para cavalgar a desesperança, surfando na merda, não faltam, com os bolsos cheios de mentiras e uma convicção tremenda nos gritos com que poluem o nosso direito à paz e ao sossego.

CADERNO DE APONTAMENTOS

 

Não se esqueçam, porque a história que vos vão impingir será outra:

1 de Abril de 2024

Israel bombardeia embaixada iraniana em Damasco, na Síria. Várias pessoas foram mortas, incluindo um comandante do Exército dos Guardas da Revolução Islâmica.

13 de Abril de 2024

Irão lança drones e mísseis contra Israel num ataque em “grande escala”. Israel diz que 99% dos mais de 300 drones e mísseis foram interceptados.

19 de Abril de 2024

EUA confirmam ataque israelita contra o Irão. De acordo com várias fontes, terão sido ouvidas “fortes explosões” na província de Isfahan, no centro do país, alegadamente correspondentes à intercepção de drones enviados pelos israelitas.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

MOVIMENTOS INORGÂNICOS

 
Os movimentos inorgânicos das força de segurança têm por detrás uma orgânica que toda a gente conhece, mas que ninguém quer confrontar. Mais uma vez, estamos perante um caso de fingir que não se vê, empurrar com a barriga, olhar para o lado. Esta democracia laxista e mole é mais inimiga de si mesmo do que os seus inimigos. Tanta lassidão vai permitir que os inimigos tomem conta do poder e depois, sempre depois da casa ter sido roubada, as virgens vão procurar quem lhes venda trancas para as portas com o discurso do costume: ah, como foi possível? O que fazer agora, já? Instaurar processos disciplinares, atacar nas redes toda e qualquer manifestação de discurso de ódio propagada por agentes da autoridade, limpar as polícias daquela escória.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

CASOS E CASINHOS

 
#1
 
Vem no Público:
Acusada de fraude em subsídio, ex-deputada desiste de ser adjunta das Finanças. Patrícia Dantas é arguida no megaprocesso da já extinta Associação Industrial do Minho, noticiou Correio da Manhã.
 
#2
 
A Patrícia Dantas segue-se Patrícia Cerdeira. Está mal de patrícias para os lados de Montenegro.
 
Vem no DN:
Nova baixa no Governo de Montenegro. Patrícia Cerdeira deixa de ser assessora da ministra da Justiça. Patrícia Cerdeira demitiu-se de assessora da ministra da Justiça devido a publicações nas redes sociais. (...) De acordo com o Correio da Manhã, a ex-jornalista da RTP, Patrícia Cerdeira, demitiu-se depois de ter sido confrontada pelo diário sobre as publicações que fez há alguns meses nas redes sociais, nas quais criticava o Ministério Público e a PJ e apoiava António Costa, ex-primeiro-ministro.

SOCIOLOGIA POLÍTICA

 

“Anarquismo de marca patrocinado pela União Europeia. Curto bués.”

Cipriano, já um bocado bêbado.

terça-feira, 16 de abril de 2024

O AVARENTO

 


Um pai avarento, de nome Harpagão, quer arranjar casamentos proveitosos para o filho, Cleanto, e a filha, Elisa, que estão apaixonados por quem não deviam. Cleanto, pela jovem rapariga que, interesseiramente, o próprio Harpagão, muito mais velho, quer desposar. Tudo por interesse material. A certa altura, Acto III, Cena I, discute-se um banquete:
 
(…)
Harpagão: Ora diz-me lá, és capaz de nos preparar uma boa refeição?
Mestre Tiago (cocheiro e cozinheiro): Sim, se vós me derdes dinheiro para isso.
Harpagão: Que diabo, sempre dinheiro! Parece que não sabem dizer mais nada: “Dinheiro, dinheiro, dinheiro”. Ah!, é a única palavra que têm na boca: “Dinheiro”. Sempre a falar de dinheiro. É o ai-jesus deles, dinheiro!
Valério (secretário): Nunca vi resposta tão impertinente como esta. Qual é o espanto de se conseguir preparar uma boa refeição com muito dinheiro: é a coisa mais fácil do mundo, e não há pobre de espírito que não seja capaz de o fazer; mas, para se mostrar um homem habilidoso, terá antes de falar em preparar uma boa refeição com pouco dinheiro.
Mestre Tiago: Uma boa refeição com pouco dinheiro!
Valério: Sim.
Mestre Tiago: Por minha fé, Senhor secretário, ireis ter a amabilidade de nos mostrar esse segredo, e de assumir o meu ofício de cozinheiro; até porque também gostais de ser o faz-tudo nesta casa.
Harpagão: Calai-vos. Do que vamos precisar?
Mestre Tiago: Está aí o Senhor secretário, que vos preparará uma boa refeição com pouco dinheiro.
Harpagão: Mau! Quero que me respondas.
Mestre Tiago: Quantas pessoas serão à mesa?
Harpagão: Umas oito ou dez; mas só precisa de contar com oito; quando há de comer para oito, também há para dez.
Valério: É evidente.
(…)
 
Molière, in “O Avarento”, trad. Alexandra Moreira da Silva, Edições Húmus, Julho de 2011.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

JOSUÉ

 


É lamentável que não se fale de Josué como se fala de Moisés, o servo a quem Deus secou o Mar Vermelho para que o povo de Israel pudesse chegar à terra prometida. Josué foi quem guiou o povo depois de Moisés ter morrido, o seu livro é um livro de conquista territorial. Tem os condimentos das histórias de guerra, com espiões, prostitutas, traidores, cidades dizimadas, reis executados, cavalos amputados, etc. Tudo em nome do Senhor, que também a Josué separou as águas. Neste caso, as do rio Jordão. Pois que lhe coube ir conquistando terras para lá do Jordão, não poupando nada nem ninguém: «Destruíram tudo o que havia, matando à espada homens e mulheres, novos e velhos, e também os bois, as ovelhas e os jumentos» (Josué, 6, 21). Assim se conseguiram terras para satisfazer as tribos de Israel, doze. Conquistou-se Jericó, Ai, Jerusalém, Hebron, etc, etc, terras do sul, terras do norte, conquistas a ocidente do Jordão distribuídas em lotes pelas 12 tribos. Houve terras que ficaram por conquistar. Adivinhem quais. «Dos anaquistas não ficou ninguém no país de Israel. Só ficaram em Gaza, em Gat e Asdod» (Josué, 11, 22). Entre vários episódios curiosos no livro de Josué, o que mais me toca é esta noção clara de que a terra prometida foi conquistada a povos que já lá estavam antes. O discurso de despedida de Josué é elucidativo, podia intitular-se:

TERRA QUE NÃO VOS CUSTOU NENHUM TRABALHO E CIDADES QUE NÃO CONSTRUÍRAM

«Isto é o que o Senhor, Deus de Israel, tem para dizer: “Antigamente os vossos antepassados Tera e os seus filhos Abraão e Naor habitavam a oriente do rio Jordão e adoravam outros deuses. Eu fiz sair de lá o vosso antepassado Abraão, conduzi-o por toda a terra de Canaã e dei-lhe muitos descendentes. Dei-lhe o filho Isasc e a Isaac dei Jacob e Esaú. A Esaú dei em propriedade a montanha de Edom, enquanto Jacob e os seus filhos desceram para o Egipto. Mais tarde, enviei Moisés e Aarão e castiguei os egípcios daquela maneira, para fazer com que vocês saíssem de lá. Fiz sair os vossos antepassados e eles foram caminhando em direcção ao mar. Os egípcios perseguiram-nos com carros e cavalos até ao Mar Vermelho, mas os vossos antepassados gritaram por mim e eu pus uma grande escuridão entre eles e os egípcios e fiz com que o mar caísse sobre estes e os afogasse. Vocês bem sabem que foi isto que eu fiz no Egipto.
   Depois, vocês andaram muito tempo pelo deserto e eu fiz com que entrassem no território dos amorreus, no lado oriental do Jordão. Eles combateram contra vocês, mas eu entreguei-os nas vossas mãos e por isso vocês lhes conquistaram o território e os destruíram. Também o rei de Moab, que era Balac, filho de Sipor, foi combater Israel. Mandou chamar Balaão, filho de Beor, para vos amaldiçoar, mas eu não dei ouvidos ao que Balaão pretendia e ele teve que vos abençoar. Foi desta maneira que eu vos salvei.
   Depois, vocês passaram o rio Jordão e chegaram a Jericó cujos habitantes vos combateram tal como os amorreus, perizeus, cananeus, hititas, guirgaseus, heveus e jebuseus. Mas eu fiz com que vocês os vencessem. Espalhei o pânico à vossa frente e eles desapareceram. Não foi a vossa espada nem o vosso arco que os venceu, tal com o aos dois reis amorreus. Dei-vos uma terra que não vos custou nenhum trabalho e cidades que não construíram. É nessas cidades que vocês agora habitam comendo dos frutos das vinhas e dos olivais que não plantaram.
   Por tudo isso, sejam fiéis ao Senhor e sirvam-no com sinceridade e lealdade. Afastem-se dos deuses que os vossos pais adoraram na Mesopotâmia e no Egipto e adorem o Senhor.»

Assim ficamos a saber, entre outras coisas, que Deus tem filhos preferidos e lhes oferece de mão beijada o holocausto de terceiros. Entre os habitantes poupados à espada do Senhor não encontramos os filisteus, que andavam por Gaza. Vem no Antigo Testamento.

QUEM DISSE ISTO?

 
"Mais do que a imbecilidade, chateia-me a falta de humildade, aquele mínimo de humildade que todos devemos ao saber. Vivemos num tempo de facilitismos. Pessoas que não estudaram, não leram, não investigaram, sentem-se no direito de emitir opiniões sobre tudo e mais alguma coisa só porque ouviram uns comentários na televisão e viram uns vídeos na Internet. Enfim, que emitam opiniões não é problemático, problemático é ficarem convencidos de que essas opiniões valem o mesmo ou mais do que as considerações de quem estudou os assuntos. É isto que a falta de humildade faz, convence um imbecil de que não é imbecil."

domingo, 14 de abril de 2024

DIREITO DE RESPOSTA

 


Direito de Resposta
Selecção, prefácio e revisão de Ricardo Marques
Edição de João Pedro Azul
Flan de Tal, Abril de 2024

Álvaro Seiça, André Tecedeiro, Beatriz de Almeida Rodrigues, Catarina Nunes de Almeida, Catarina Santiago Costa, Ederval Fernandes, Fernanda Drummond, Filipa Leal, Francisca Camelo, Henrique Manuel Bento Fialho, Inês Dias, Inês Francisco Jacob, João Bosco da Silva, José Pedro Moreira, Mariana Varela, Miguel Cardoso, Miguel-Manso, Paola D'Agostino, Pedro Korres, Rafael Mantovani, Rafa (Rafaela Jacinto), Raquel Serejo Martins, Ricardo Marques, Ricardo Tiago Moura, Tatiana Faia.

Sacra Tragicomédia, pp. 64- 66.


KAFKIANA

 
O Irão atacou Israel. De manhã, passear a Nala.