quarta-feira, 18 de abril de 2018

AS MIGALHAS DA DÚVIDA


Fantasiado de Grande Reportagem, o jornalismo da SIC achou por bem expor publicamente gravações de interrogatórios. Imagens a que a SIC teve acesso, anuncia o/a jornalista como quem anuncia um número de circo. O animal feroz está no centro da arena, esbraceja, gagueja, leva as mãos à cabeça, indigna-se, levanta a voz, dá murros na mesa… Há chicotes à sua volta que são incapazes de o conter. O espectáculo está montado, as câmaras estrategicamente apontadas, a gravação roda. Em nome de quê? Presumo que em nome da justiça. Mas admito estar enganado. Sócrates já era um caso de estudo, agora é um caso perdido. Quando digo Sócrates quero referir-me a tudo, da marcação cerrada à detenção, da baba noticiosa ao asqueroso espectáculo que estamos condenados a assistir: alguém que é julgado e condenado como num filme de cowboys. O problema de Sócrates é não termos qualquer empatia pela personagem, o problema do caso Sócrates e já nada do que atenta contra certa ideia de Estado de direito nos indignar. Estamos dispostos a tudo, menos a aturar os posts de Bruno de Carvalho no Facebook. A anedota em que este país se tornou, em que esta democracia de fantochada e fachada se tornou, fica evidente neste caso. Um ex-primeiro-ministro, corrupto ou não, movido pela vaidade, uma justiça movida pela arbitrariedade, uma comunicação social movida pelo ódio. Mais segredo de justiça, menos segredo de justiça, o que fica patente é um país de pantanas, a seu tempo saudoso de velhos rigores, pois quando tudo vale nada tem valor. E a justiça, neste momento, não tem valor algum no nosso pseudo-Estado de direito, pois presta-se a que tudo lhe valha em proveito de presunções e ideias feitas. É uma miséria absoluta aquilo que estamos a passar. Podem as pessoas andar distraídas com fados, futebóis, telenovelas, indignadas com crónicas de humoristas, entretidas com notícias de escolas com coberturas de amianto onde faz frio e chove, hospitais sem condições, anúncios de aumentos na função pública, reembolsos de viagens dos deputados, incêndios, seca, a crise no Sporting e as toupeiras no Benfica… Podem. O que lhes sobra ao redor já não é apenas paisagem ardida, é mesmo um regime em chamas. Que não existam bombeiros à vista para nos socorrer é trágico, que tenhamos de perecer enterrados na podridão é torturante. Alimentemos o espírito com as migalhas da dúvida: Como é que a SIC teve acesso às imagens? Pagou por elas? Quem as vendeu? Quem lucrou com o negócio? A quem mais convém este circo?

3 comentários:

  1. O espetáculo que nos foi proporcionado é deplorável. Sócrates, cidadão português, tem direito a um julgamento feito segundo as regras vigentes em Portugal, um julgamento nos tribunais por juízes isentos, independentes, apenas submetidos à vontade da lei e da Constituição.
    As televisões e os media em geral têm todo o direito de informar. Não têm qualquer direito de manipular.
    Aquilo a que assistimos não é jornalismo. É uma exibição medíocre de uma das visões possíveis.
    Fica mal à Justiça e ao jornalismo. Quem é que sai a ganhar?

    ResponderEliminar
  2. O país tornou-se um teatro de fantoches.

    ResponderEliminar
  3. Estou como dizes, Henrique, isto tem tudo para dar mau resultado. (Eu não vi a transmissão da SIC, basta-me saber que o fizeram). A forma como este caso tem sido tratado é um apelo à justiça popular. Uma justiça emotiva. E ele podia e devia ser exemplar. Vamos perder todos, seja qual for o resultado.

    ResponderEliminar