PROBLEMA
O telefone toca. Ignoro. Persiste. Não sou parvo. O estratagema a que recorro ocorre-me facilmente. Levanto o auscultador. Não digo nada. Silêncio igual, na outra ponta. Ele troca de auscultador. O tom é extraordinariamente estridente.
Após dar conta de alguns trabalhos decidi fazer um telefonema. Levantei o auscultador. Silêncio morto. Sem precedentes. O sistema telefónico da minha área é normalmente sans pareil. À comunicação da mais pequena falha vêm os técnicos a correr ao local para corrigir. Mas neste caso há um problema palpável. Não posso telefonar para comunicar a falha. A falha é tão vasta, tão impregnante, tão consumada, tão definitiva que impede, sem um resquício de esperança, a ajuda.
Telefone calado. Noite morta.
A linha? O telefone fora do descanso? A linha telefónica fora do descanso? Investigo. Linha segura, com uma certa indolência, no descanso. Estou desorientado. Não só isso. Pego numa cadeira e sento-me desorientado.
Desorientado. Ausência de sinal. Noite morta.
Toca.
*
Saio da biblioteca, vou a uma cabine telefónica e disco o número da minha casa. Linha ocupada.
*
Alguém anda a tentar lixar-me.
1976
Harold Pinter, in Várias Vozes, Quasi Edições, trad. Miguel Castro Caldas, Maio de 2006, pp. 106-107.
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