Esta noite sonhei que estava a comer sopa de tomate.
Tinha por companhia vários escritores que não conhecia e o presidente Marcelo.
A dado momento, dei por mim muito sério a olhar para um ovo escalfado a boiar
na sopa. Olhava para o ovo, olhava para o Marcelo, olhava para o ovo, olhava
para o Marcelo, olhava para o ovo, olhava para o Marcelo, até que o presidente,
reparando na estranha distribuição de atenções, perguntou se estava tudo bem
comigo. Pararam todos de comer, voltando-se para mim. De resto, não fosse isto
eu teria sido um peso morto naquela mesa. Até que expliquei o que se passava:
"Senhor presidente, lamento mas não consigo comer esta sopa." A sopa
estava óptima, diga-se de passagem. Os comensais ficaram boquiabertos a olhar
para mim. Afinal lembro-me que o José Luís Peixoto também estava à mesa, ouviu
as minhas explicações com fios de sopa de tomate a escorrerem-lhe pelos cantos
da boca aberta. "Ó homem, não coma", disse o presidente muito
simpaticamente, "manda-se vir outra coisa. Não gosta de tomate?"
Adoro tomate, expliquei, o problema é o ovo escalfado. Este ovo escalfado é a
sua cara chapada. Peguei no prato e levei-o à frente do nariz do presidente,
depois passei o prato por toda a gente. Ninguém concordava comigo, mas eu não
me deixei levar pela oposição geral. Ou o ovo escalfado era a cara chapada do
Marcelo ou o Marcelo tinha cara de ovo escalfado. Que ninguém se atrevesse a
dizer-me o contrário. As sopas foram para trás, ninguém comeu.
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