terça-feira, 16 de agosto de 2022

SOPA DE TOMATE

 
Esta noite sonhei que estava a comer sopa de tomate. Tinha por companhia vários escritores que não conhecia e o presidente Marcelo. A dado momento, dei por mim muito sério a olhar para um ovo escalfado a boiar na sopa. Olhava para o ovo, olhava para o Marcelo, olhava para o ovo, olhava para o Marcelo, olhava para o ovo, olhava para o Marcelo, até que o presidente, reparando na estranha distribuição de atenções, perguntou se estava tudo bem comigo. Pararam todos de comer, voltando-se para mim. De resto, não fosse isto eu teria sido um peso morto naquela mesa. Até que expliquei o que se passava: "Senhor presidente, lamento mas não consigo comer esta sopa." A sopa estava óptima, diga-se de passagem. Os comensais ficaram boquiabertos a olhar para mim. Afinal lembro-me que o José Luís Peixoto também estava à mesa, ouviu as minhas explicações com fios de sopa de tomate a escorrerem-lhe pelos cantos da boca aberta. "Ó homem, não coma", disse o presidente muito simpaticamente, "manda-se vir outra coisa. Não gosta de tomate?" Adoro tomate, expliquei, o problema é o ovo escalfado. Este ovo escalfado é a sua cara chapada. Peguei no prato e levei-o à frente do nariz do presidente, depois passei o prato por toda a gente. Ninguém concordava comigo, mas eu não me deixei levar pela oposição geral. Ou o ovo escalfado era a cara chapada do Marcelo ou o Marcelo tinha cara de ovo escalfado. Que ninguém se atrevesse a dizer-me o contrário. As sopas foram para trás, ninguém comeu.

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