quinta-feira, 1 de outubro de 2009

TRÊS VEZES NASCIDO


Ouvi dizer que Rui Pires Cabral nasceu a 1 de Outubro de 1967. Há quem diga que nasceu em Chacim, uma pequena aldeia do concelho transmontano de Macedo de Cavaleiros, há quem diga que nasceu apenas em Macedo de Cavaleiros, há ainda quem diga que nasceu em Vila Real. Filho do escritor António Manuel Pires Cabral, dizem que publicou o seu primeiro livro em 1985, uma colectânea de poemas intitulada Qualquer coisa estranha. Também há quem se refira ao livro como um livro de contos. É um livro estranho, do qual poucos ouviram falar, sendo mais corrente a versão de que os seus dois primeiros livros foram Geografia das Estações (1994) e A Super-Realidade (1995). Diz quem os leu que «não podem ser considerados livros menores», e quem o diz é José Ricardo Nunes: «Foram livros publicados em Vila Real, longe do periférico centro, e não tiveram a difusão e o acolhimento devidos» (in 9 Poetas Para o Século XXI). Ouvi dizer que Rui Pires Cabral estudou num colégio interno, ingressou na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, envolveu-se na política, participou em movimentos académicos, começou a publicar poemas na imprensa estudantil. Também ouvimos dizer que o poeta lamenta o sucedido. Outra versão diz-nos apenas que se licenciou em História e Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1990. Ouvi dizer que concluídos os estudos superiores, Rui Pires Cabral se mudou para Lisboa e dedicou-se a traduzir autores de língua inglesa. Quanto aos livros, João Luís Barreto Guimarães fala de uma «toada mais abstracta» na obra inicial e de «uma poesia metonímica e figurativa» nos livros mais recentes. José Ricardo Nunes sublinha «a importância dos lugares», «o tópico da viagem», «desde o percurso existencial (…) até à deambulação física». É este aspecto o que mais me interessa na poesia de Rui Pires Cabral, a viagem como impulso questionador do mundo e do eu, as memórias em confronto com o «desenraizamento ontológico», a velocidade questionando o fim, a viagem por dentro da relação amorosa:

UNTITLED # 1

Hoje eu dei-te o meu dia, na esplanada afrontando o olhar dos outros
por motivos tão escassos. É a primeira oportunidade para
uma nova estação, a natureza conspira no cimento
à nossa volta. Mas eu acredito que toda a mudança venha apenas
pelo fim de qualquer coisa e tu estás imóvel nessa cadeira,
parece que nunca tiveste um princípio.

Onde estão agora as tuas razões, o que fizeste
com a tua juventude? Não esperes que os pássaros te castiguem
por perderes o dia e sufocares de noite. Eu não te posso salvar
da tua angústia, baralhei os sinais por baixo de cada nome
e escolhi as ruas à sorte. E tu não me podes obrigar a pensar
de outra maneira, pobre de ti com as mãos encolhidas
sobre o tampo da mesa. Nos dias de sol a tua sombra
seria cruel para mim. E como eu te mentiria.

Rui Pires Cabral, in Música Antológica & Onze Cidades, Colecção Forma, n.º 35, Presença, Março de 1997.

2 comentários:

Anónimo disse...

Nasceu em Macedo, cresceu em Vila Real. Não estudou em qualquer colégio. Licenciou-se no Porto. Deu aulas na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Cansou-se e foi para Lisboa. Sim, é tradutor. Sim, faz anos hoje.

hmbf disse...

:-)))) agradecido