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sábado, 27 de abril de 2013

O SUICIDA




E isto, senhoras e senhores, que de facto eu não estou
a dirigir, foi durante os últimos minutos o escritório
desse homem desconhecido. Ali temos as contas
na bandeja, a cinza no cinzeiro, memorandos cinzentos
empilhados junto ao cinzeiro, caixas de arquivo em fila, o júri
parcial da sua correspondência sem resposta
balançando sob o pisa-papéis  à passagem da briza
que vem da janela por onde ele partiu; e aqui está o receptor
avariado que nunca foi concertado e o bloco de apontamentos
com o seu último esquiço, que tanto pode ser uma úlcera
no seu aparelho digestivo como o labirinto florido
onde se terá perdido deliciosamente até ter tropeçado
súbita e finalmente consciente de tudo quanto lhe faltou
num poço coberto de malvas. A ponta do lápis
obviamente se quebrou; porém, quando abandonou esta sala
por artes mágicas ou simples evaporação,
àqueles que o conheceram pela confusão gerada na rua
este homem de sorriso tímido deixou para trás
qualquer coisa que ficou intacta.


Louis MacNeice (1907-1963)


Versão de HMBF.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

REFLEXOS




O espelho em cima da lareira reflecte o quarto
reflectido na janela; olho para o espelho à noite
e vejo dois quartos, um onde a esquerda é direita
e o outro, para lá da janela reflectida, correcto,
mas aí eu fico de costas para as minhas costas. O
candeeiro surge três vezes no espelho, duas na janela,
o fogo no espelho fica a duas salas da janela,
o fogo na janela fica a uma sala do terraço,
o meu quarto real está entalado entre manipulações
da noite da luz do vidro e em ambas as direcções
consigo ver as luzes da rua através e além dos reflexos
no exterior onde as divisões interiores encalharam,
onde talvez um táxi atravesse a estante com livros
que não são para ler e estão junto ao fogo
que não dá calor e é transposto pela minha secretária
onde não poderei escrever já que não sou canhoto.

Louis MacNeice

Versão: HMBF

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

EPITÁFIO PARA OS POETAS LIBERAIS

No fim tardio
— que está para breve — a vida ocidentalizar-se-á
E alguns dirão
E Daí e outros Que Importa,
Prontos, sob novos nomes, para explorar ou serem explorados.
Melhor seria que pensassem no que dirá a história
De nós, os que caminharam sonâmbulos e morreram na Dúvida.

Nós, que sempre tivemos, sem o admitir, um dono,
Que fomos imaginados — e pagos — para sermos nós mesmos,
Condicionados a pensar livremente, como podemos nós
Consertar os nossos corações destroçados e engessar o pensamento
E glorificar com histórias cromadas
Aqueles que nos tornam inúteis e dispensáveis —
Os Conquistadores tecnocráticos de boca calada?

O Indivíduo morreu antes; Catulo
Faleceu novo, deu lugar aos que nasceram velhos
E mais adaptáveis e nem sequer sentiram ciúmes
Das suas palavras e vida selvagem. Ainda que as nossas canções
Não sejam tão calorosas como as suas, o nosso fado não é menos frio.

Tal como esse silêncio diante de nós, pregado às paredes,
Por que nos queixamos? Não há saída, nada mais
Nos dirão os pássaros; desapareceremos primeiro,
Porém deixando para trás certas palavras geladas
Que um dia, embora sem certezas, poderão derreter
E, por breves instantes, realçar uma sede.



Louis MacNeice
Versão de HMBF.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

ORAÇÃO PRÉ-NATAL


Eu ainda não nasci; ó, escutai-me.
Não deixeis o vampiro ou a ratazana ou a doninha
ou o espírito de pés aleijados aproximarem-se de mim.

Eu ainda não nasci, consolai-me.
Temo que a raça humana venha a emparedar-me,
ou a drogar-me com drogas fortes, com finas mentiras me tente,
com negros acúleos me torture, em banhos de sangue me enrole.

Eu ainda não nasci; abonai-me
Com água para me embalar, erva que cresça para mim,
árvores que me falem, um céu que me cante, pássaros
e uma luz brilhante a guiar-me por detrás da mente.

Eu ainda não nasci; perdoai-me
Pelos pecados que em mim o mundo cometerá, pelas palavras
quando me disserem, pelos pensamentos quando me pensarem,
pelas minhas traições engendradas por traidores além de mim,
pela minha vida quando matarem através das minhas
mãos, pela morte quando me viverem.

Eu ainda não nasci; recitai-me
Nos actos em que hei-de actuar e nas deixas que direi quando
um velho me ler. Os burocratas intimidam-me, as montanhas
franzem-me o sobrolho, os amantes gozam-me, as ondas
brancas enlouquecem-me e o deserto leva-me
à ruína e o indigente recusa-me
a esmola e os meus filhos amaldiçoam-me.

Eu ainda não nasci; Ó, escutai-me,
Não deixeis que a besta ou aquele que se julga Deus
se aproximem de mim.

Eu ainda não nasci; Ó, alimentai-me
Com força contra aqueles que tentarão congelar a minha
humanidade, forçando-me a ser um autómato letal,
transformando-me num dente de roda na engrenagem, coisa
de uma só face, uma coisa, e contra todos aqueles
que dissiparão a minha integridade,
soprando-me como lanugem de cá
para lá ou de lá para cá
como água levada nas
mãos que me hão-de derramar.

Não deixeis que façam de mim uma pedra e que me arremessem.
Caso contrário, matai-me.



Louis MacNeice

Versão de HMBF.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

LOUIS MACNEICE



Vejam bem como é relativo esse estereótipo de um país de poetas. Nascido em Belfast no dia 12 de Setembro de 1907, filho de um pastor protestante e de uma professora primária, Louis MacNeice perdeu a mãe muito cedo. Teria seis anos de idade quando esta foi internada com uma depressão profunda. Nunca mais a viu. MacNeice começou por estudar em Sherborne, mudando-se posteriormente para Marlborough. Aí que começou a desenvolver o interesse pela escrita, colaborando com as revistas escolares. Em 1925 conseguiu uma bolsa para estudar em Oxford. Conheceu W. H. Auden, de quem se aproximou por via do interesse mútuo pela poesia. Em 1929 publicou Blind Fireworks, dedicado a Mary Ezra – com quem veio a casar, um ano depois, apesar da oposição familiar. Em 1932 escreveu um romance recebido sem interesse. Influenciado por Auden, aproximou-se das teses comunistas com um permanente sentido crítico. À época, depois de um interregno na escrita de poesia, por julgá-la inconciliável com a vida doméstica, partilhou poemas novos com Auden e T. S. Eliot. Em Setembro de 1934, depois de Eliot publicar alguns dos seus poemas no The Criterion, conheceu W. B. Yeats em Dublin. Poems, publicado pela Faber and Faber em 1935, contribuiu para que se afirmasse definitivamente como um dos poetas da nova geração. Separou-se de Mary Ezra, entregou o filho de ambos aos cuidados de uma ama e fez algumas viagens (Espanha, Islândia, Londres...). Apesar de divorciado, e com a guarda do filho, continuou a escrever-se com a antiga mulher. Teve um caso com a pintora Nancy Coldstream, resultando este num livro com poemas dele e ilustrações dela: I Crossed the Minch. Cada vez mais dedicado à poesia, escreveu também peças de teatro e traduziu alguns clássicos gregos. Continuou a viajar, fazendo leituras, travando conhecimento com os grandes escritores do seu tempo. Fez carreira como jornalista para a BBC, publicou Plant and Phantom, dedicado a Eleanor Clark, com quem teve um caso em Nova Iorque, e, em 1942, três meses depois da morte do pai, voltou a casar. Hedli Anderson, cantora e actriz, foi a segunda mulher. Por essa altura, criou fortes laços de amizade com Dylan Thomas. Empenhado no trabalho para a BBC, viajou muito e escreveu fervorosamente. O casamento com Hedli Anderson começou a deteriorar-se devido aos problemas de MacNeice com a bebida e às relações com outras mulheres. Uma viagem à África do Sul levou-o aos braços da actriz Mary Wimbush, que havia actuado em várias peças do poeta. Cada vez mais dependente da bebida, acabou por separar-se de Hedli. Em 1963, numa viagem a Yorkshire, foi apanhado no meio de uma tempestade e contraiu uma pneumonia fatal. Morreu com 55 anos de idade, a 3 de Setembro de 1963. Foi enterrado em Carrowdore, junto ao corpo da sua mãe. Auden leu alguns poemas na cerimónia:


AUTOBIOGRAFIA

Na minha infância as árvores eram verdes
E havia imensas para serem vistas.
Volta cedo ou nunca mais voltes.

O meu pai fazia as paredes ecoar,
Ele usava a gola do avesso.
Volta cedo ou nunca mais voltes.

A minha mãe usava um vestido amarelo;
Com suavidade, com suavidade, docilmente.
Volta cedo ou nunca mais voltes.

Os pesadelos apareceram pelos cinco anos;
Nada foi igual posteriormente.
Volta cedo ou nunca mais voltes.

A escuridão falava com os mortos;
A candeia junto à minha cama estava escura.
Volta cedo ou nunca mais voltes.

Quando acordei, eles não quiseram saber;
Ninguém, ninguém estava lá.
Volta cedo ou nunca mais voltes.

Quando o meu pânico silencioso gritou,
Ninguém, ninguém respondeu.
Volta cedo ou nunca mais voltes.

Levantei-me; o sol fresco
Viu-me a partir sozinho.
Volta cedo ou nunca mais voltes.


Versão de HMBF.

domingo, 5 de agosto de 2012

VOO DO CORAÇÃO


Coração, meu coração, que vais tu fazer?
Há cinco cães coxos e um surdo-mudo
A fazer exigências sobre ti.

...Vou erigir sozinho uma torre de vigia
...Com quatro saídas e nenhuma entrada -
...Minha glória, meu poder!

E se a torre vier a abanar e cair com
Três severas pancadas e um grande golpe?
Que farias, então, completamente sozinho?

...Nesse dia irei beber na escuridão da adega
...Dois tragos rápidos e um longo gole,
...Bêbedo como um lorde e alegre como a cotovia.

E quando o telhado da adega ceder
Com um relâmpago azul e nove ossos velhos?
Como, meu coração, irás então salvar a tua pele?

...Regressarei aonde pertenço
...Ao pé-coxinho e cego de ambos os olhos
...Regressarei aonde pertenço
...À ante-essência da humanidade
.


Louis MacNeice nasceu em Belfast, no ano de 1907. Em 1966, a Faber and Faber publicou os seus Collected Poems.

Versão de HMBF.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

UM POEMA DE LOUIS MACNEICE


O CÁLICE DE BRANDY

Deixa que mais uma vez ganhe forma nas suas mãos –
O instante embalado como um cálice de brandy.
Sentado sozinho na sala de jantar vazia…
Começa a cair neve dos candelabros
Acumulando-se à volta das garrafas e das pernas da mesa
E entupindo a passagem da porta giratória.
O último a jantar, como um boneco de ventríloquo
Abandonado pelo mestre, contemplando-o defronte, implora:
“Deixa que mais uma vez ganhe forma nas minhas mãos”.



Versão de HMBF.