Uma equipa de reportagem da televisão belga RTBF, que faz
investigação para o programa On n'est pas des pigeons, enviou um vinho ao
Concurso Internacional Gilbert Gaillard, reputado concurso de vinhos em França.
Seleccionaram "vinhos de supermercado" abaixo dos 3 euros, mais ou
menos martelados. Depois, fizeram uma prova destes mesmos vinhos com um
especialista belga de renome, Eric Boschman, sommelier "humorista,
hedonista". Boschman provou os vinhos e apontou o escolhido, "o pior
dos piores", uma "mistela" "Bonnes Vignes. Rouge. Vin de
France", lê-se no rótulo da garrafa que custou 2,49 euros. Meteram-lhe um
rótulo todo pimpão, deram-lhe o nome Le Château Colombier, demarcaram-lhe a
região, etc. Resultado: medalha de ouro. Nota de prova: "Vermelho-romã vivo.
Nariz tímido, associando nozes, groselha, carvalho discreto. Boca suave,
vigorosa e rica com aromas jovens e limpos que prometem uma bela complexidade.
Boa evolução em especiarias e um toque de fuligem. Muito interessante."
Diz que na competição em causa são listados 52 rótulos portugueses, por certo
todos muito interessantes. Isto nos livros não é muito diferente, basta ver o
que por aí se vai recenseando com estrelinhas de premeio.
antologia do esquecimento
quarta-feira, 31 de maio de 2023
terça-feira, 30 de maio de 2023
JOSÉ PINHO (1953-2023)
Este sentimento estranho de ver partir quem faz, quem concretiza, independentemente do que possa ser dito sobre métodos e práticas e modos de materializar uma ideia. A vida é um fogacho.
ETC
86% dos jovens admite estar viciado nas redes sociais,
face à média europeia de 78% e 90% já as utiliza desde os 13. E oito em cada
dez prefere comunicar pelas redes sociais, em vez de pessoalmente, e considera
que estas são para os seus pares uma parte de si mesmos. Admitem ainda ficar
aborrecidos se não puderem aceder às plataformas.
Acrisia, ataraxia, bipolaridade, desânimo, desinteresse,
encantamento, ignávia, indolência, inércia, infantilismo, facilitismo,
literalidade, manipulação, negligência, obnubilação...
segunda-feira, 29 de maio de 2023
ÚLTIMO OUTONO (fragmento)
(...)
no centro da cidade fixo o olhar nas aves,
assim desfio o fio do poema, fixo o olhar
nas aves e nada perde vulto, pelo contrário,
distingo claramente o voo circular dos tentilhões
e como as rolas deixam para atrás de si um jorro
branco e os corvos dão à sombra
uma subtileza azul difícil de entrever
mas que está lá, se com minúcia repararmos
e o olhar se adaptar à escuridão da luz
que nos transcende. no fio do poema
também há árvores que estremecem,
o outono leva-lhes as folhas uma a uma,
mas o estremecimento vem-lhes das raízes
e sobre pelos troncos, não é só o vento
que as agita, mas também o mistério,
também quanto guardam no segredo
de antecipar nos meses e nos anos
a ressurreição das suas hastes verdes,
das suas copas, dos seus ramos eternamente
explosivos, das suas vozes plácidas
e contínuas. gosto do furor que vem das árvores,
do equilíbrio solar que prenunciam, do discernimento
com que nos vêm salvar, envolvem-nos
de silêncio e sabem seduzir, delicadamente
enchem-nos o cantil e percorrem connosco
a eternidade, se é a eternidade que buscamos.
às árvores sei que tudo devo, árvores de quando
os ouriços se retraem e dão à fuga um significado,
de quando a infância ainda existia nos meus domínios
e a liberdade era poder olhá-las enfeitiçado.
(...)
Amadeu Baptista, in Último Outono, com fotografias de Maria Manuela Mendes Ribeiro, Edições Afrontamento, Dezembro de 2022, pp. 46-47.
sábado, 27 de maio de 2023
COCAÍNA DOS ACÓLITOS
Agora
a sério, expliquem-me: o que ganham vocês com a vitória do vosso clube? Se me
disserem que ganham um momento de alegria, eu compreendo. Sei o que é. Fico
feliz com a vossa felicidade. Só não percebo a necessidade de polvilhar
momentos de alegria com elucubrações acerca dos vencidos, como se, de facto,
estivesse algo mais em jogo do que os milhões que os clubes açambarcam com o
fanatismo que vampiriza os bolsos do povo. Não conheço símbolo mais preeminente
do capitalismo selvagem do que o futebol profissional, fluxo de milhões de
euros e de dólares à revelia de uma lei arbitrária que tudo justifica para
manter o circo activo e o povo alienado. Autêntica máquina de lavar sopa, fuga
aos impostos, albergue de milícias mafiosas, escola de violência e de crime e
de ódio. Se a religião é o ópio do povo, o futebol tornou-se claramente a
cocaína dos acólitos.
sexta-feira, 26 de maio de 2023
O PIOR DO FUTEBOL SÃO OS APANHA BOLAS
Se não partilhassem, eu não via. Mas partilham.
Impossível não ver. Luís Osório escreveu uma daquelas suas crónicas em estilo
infecção urinária com o título "Octávio Machado é o pior do futebol".
Não li, basta-me o título. Para quê perder tempo com mais um ataque pessoal? Se
ele dissesse, o pior do futebol são os very-lights que matam adeptos, são os
cânticos racistas, são os dirigentes corruptos, são os empresários agiotas, são
as organizações internacionais usuárias, são as claques mafiosas e violentas,
são os comentadores facciosos, talvez a gente ainda perdesse tempo com aqueles
parágrafos vertidos pingo a pingo. Agora o Octávio Machado, um agricultor que
jogou, treinou, foi internacional, não faz mal a uma mosca?! A sério? O tonto
do Osório não vê nada pior no futebol do que o Octávio? Eh pá, ó Osório, muda
de lentes, vai apanhar bolas.
quinta-feira, 25 de maio de 2023
MARQUÊS
Mas é preciso lembrar as figuras tristes de Marcelo no mundial do Qatar, que fomos o país com mais políticos nas bancadas daqueles cemitérios? É preciso lembrar a "champions" em plena pandemia, a pompa e circunstância com que Primeiro-Ministro, Presidente da República e presidente da Federação de Futebol anunciaram a realização em Portugal da Liga dos Campeões? É preciso lembrar a cegueira generalizada e o facciosismo sempre que discutem bola? Será preciso lembrar que em 2021, 61% dos portugueses não leram um único livro? É claro que o jogo ganha à feira e que a bola ganha ao livro. É óbvio. Este país é dos grunhos da bola, dos burgessos dos futebóis, é definitivamente do circo que promove comentadores desportivos a deputados e deputados a comentadores desportivos. Querem lá as gentes saber de livros e de autógrafos e de escritores e de escrituras! O Ronaldo é um Deus a quem tudo se perdoa, a selecção é uma religião de fantasia, os clubes são escolas de jihadistas legitimados pelo poder. Dá jeito distrair as massas, e mesmo aqueles que se fazem passar por sóbrios atiram a prancha e vão na onda. Estavam à espera de quê, neste país? Claro que encerram a Feira do Livro, obviamente. Há que deixar passar os hunos com suas falanges de bárbaros. Para nada mais se fez o Marquês.
quarta-feira, 24 de maio de 2023
FEIRA DO LIVRO
Quitéria
foi à Feira do Livro. Vinha toda satisfeita, com um saco de algodão a 3,50€,
uma almofada e umas meias Bertrand com motivos alusivos a Fernando Pessoa, um
pack de sabonetes literários numa caixa presente a desconto de saldo (2,24€).
Também trouxe vários marcadores para livros, só não trouxe livros. Diz que não
tem tempo para ler. Entre o Gardenscapes e o Candy Crush Saga, só lhe sobra
tempo para as crónicas do Luís Osório.
terça-feira, 23 de maio de 2023
DIONYSOS
Mistura a água com o vinho na proporção exacta.
Não deixes de te embriagar para que haja festa
e tudo seja rubro na clara transparência dos teus dias.
Amadeu Baptista, in Escrito na Grécia, Prémio Literário Maria Amália Vaz de Carvalho 2020/2021, Edições Afrontamento, Junho de 2022, p. 35.
segunda-feira, 22 de maio de 2023
PORQUE NÃO TE CALAS?
Marinho e Pinto, outro trolha promovido pela saloiice
nacional, foi ao programa do Goucha dizer que, e passo a citar, "se
Salazar esteve 48 anos no poder não foi contra o povo português, a maioria do
povo apoiou-o pelo menos até aos anos 60". Depois de Duarte Pacheco a
dizer que este governo é pior do o que tínhamos antes do 25 de Abril, aparece
mais uma figura pública na televisão portuguesa a branquear o fascismo. Tudo
isto se passa sem grandes ondas de indignação, enquanto a extrema-direita
cresce com o patrocínio claro e objectivo de uma comunicação social sempre
disponível para as flatulências de Ventura. A afirmação de Marinho e Pinto é
particularmente grave, pois legitima um regime que sempre impediu o povo de
dizer se estava ou não com Salazar. Escusado falar dos que foram perseguidos,
presos, torturados, assassinados por dizerem que não estavam. Basta referir as
eleições que não existiam, a política de partido único, a oposição na
clandestinidade. Em que se baseia o ex-bastonário, ex-eurodeputado, ex-ex, para
dizer o que diz? Que sufrágio suporta a declaração? Que estudo sociológico?
Mais que não fosse, por respeito à memória de Humberto Delgado, Marinho e Pinto
devia ficar calado, já que pelo povo português esta horda de privilegiados e
arrivistas demonstra não ter respeito absolutamente nenhum. Nem vergonha na
cara. Mas isso já sabíamos.
domingo, 21 de maio de 2023
CANCELAR
Quitéria interroga-se: «Mas não há por aí uma comunidade
de leitores sensíveis que cancele a merda do futebol?»
sábado, 20 de maio de 2023
CARDÁPIO
Esta noite sonhei com uma revolução comunicacional no mundo da cultura. Todas as notas de imprensa, também conhecidas por preces, eram acompanhadas de cardápio comestível. O jornalista cultural mastiga mais do que lê, vê, escuta, pelo que a degustação animava o interesse e excitava a disponibilidade. Só o aroma a evento gastronómico enleava os escreventes, pelo que o biscoito insuflava-os de entusiasmo e apareciam. Ó se apareciam, era vê-los em bicha à porta de teatros e cineteatros e salas e grandes e pequenos auditórios, babando-se como cães de Pavlov a quem atiram beberetes, portos de honra e cocktails de fim de tarde. Ah, o croquete em vernissage, o maneirinho rissol de camarão à hora de entrada e à hora de saída. Ó bendito almoço de borla e jantar confeitado em amena cavaqueira, regado pela luz intensa das câmaras a disparar posts no Insta e no Facebook. Tchim-tchim. Cultura sem comes nem bebes, meus amigos, não é cultura. Se queres aparecer, que quem não aparece é como se não existisse, então dá de comer e de beber. Onde há mesa, o repórter não falha. É garantido.
sexta-feira, 19 de maio de 2023
UM POEMA DE ARMANDO SILVA CARVALHO
OS LOUCOS
A profissão de deus, o discurso do mundo, os pilares do universo,
eis um princípio magnânimo para abrir um poema.
A sua vastidão sem nome foge aos nomes,
solta na cabeça uma animalidade, lirismos, novas criaturas.
Quer passear com deus, a pobre alminha gráfica,
e recruta os anjos nos olhos da malícia, diz-se que deus é pobre
que não sabe sorrir, que se dá com crianças, putas e publicanos,
que não tem afinal profissão definida.
Que ladainha triste e sem filosofia,
sem as cavernas do grego, as mónadas do alemão,
sem o deus sive natura do judeu herege,
sem a teimosia daquele lá porque pensa existe e deus é perfeição
e basta.
Olhai: apenas um passeio de trôpegas palavras,
por vezes inquietas, infantis, e logo velhas à nascença,
consoante os cantos em que se vão esconder.
Perdidas dos fenómenos e nómenos, tacteiam-se entre si e logo gritam
que tocaram deus.
Há uma cegueira diversa no olhar dos loucos
que os leva a puxar pelo mundo
em segurança.
Como se o mundo fosse uma simples pesca, uma companha,
daqui saltam os peixes corredios, a prata da casa,
tudo o que foi cardume e percorreu o mar,
ciente e cauteloso,
dali crescem moluscos, grossos anéis de coragem,
sem dúvidas, firmes, e poderosos
na morte.
Rodam o pescoço à volta do universo, os loucos,
e tudo é matemática, biliões de anos-luz, a imensidão do silêncio
à entrada de deus.
É sua profissão purificar a saliva,
dar maior brilho às almas, criar as labaredas que não ardem,
deixar a casa limpa e ordenar aos anjos
que não adormeçam.
Armando Silva Carvalho, in A Sombra do Mar, Assírio & Alvim, Julho de 2015, pp. 24-25.
quinta-feira, 18 de maio de 2023
VOCÊS ESTUDEM
Por razões profissionais, entrei no sítio da Rainbow
Alliance University. Agora não me apetece explicar, só vos digo que penetrar
naquele universo é como trespassar os portais da surrealidade e meter um pé na
oitava dimensão do mundo real. Cursos que oferecem: Meditação Ascensional,
Abertura do 3⁰ Olho (nem vos conto o que me passou pela cabeça), Limpeza e
Protecção de Arcanjo Miguel, Conexão com Seu Mentor Espiritual e Eu Superior,
Destrave sua Prosperidade, Marketing da Luz (não tem nada que ver com a EDP),
Terapia Quântica Atlantis - Comandos Quânticos Atlantis (não sei se terá alguma
coisa que ver com os cristais), ThetaHealing, Despertar Estelar e Sistema
Arcturiano de Cura Multidimensional, Formação em Canalização Espiritual
(picheleiros do espírito, portanto), etc. Vocês estudem, pá.
quarta-feira, 17 de maio de 2023
VENDETA (fragmento)
(...)
avanço eu,
e a penúria a que me reduzo
não me impede de ver e de estar cego,
vivo nos arrabaldes,
sitia-me o lixo
e o conluio
de alguém com o teu rosto
a exercer o poder discricionário
sobre a catástrofe
e tudo o que sufragas
com os teus dentes miúdos,
as tuas cenas,
os teus domésticos histerismos
de prima donna
que não sabe cantar,
as tuas birras,
os teus fuzilamentos,
a tua excitação
de instagram e facebook,
a tua superioridade de vilipêndio.
(...)
Amadeu Baptista, in Vendeta, Edições Mortas, 2019, pp. 40-41.
terça-feira, 16 de maio de 2023
AVENTESMA
Duarte Pacheco, Mestre em Estudos Europeus pela
Universidade Católica Portuguesa, Secretário da Mesa da Assembleia da
República, disse na televisão pública, e passo a citar: "Eu cresci numa
terra dominada pelo PCP e lutava para poder dizer que não era comunista. E
afinal eu vejo que temos um poder socialista que é pior do que aquilo que nós
tínhamos antes do 25 de Abril". Disse e a PIDE não o calou com murros nas
trombas porque toda a gente sabe que alguns dos efeitos colaterais dos
esteróides são as alterações de humor, comportamento agressivo, irritabilidade.
Caso contrário, o tipo teria o mesmo destino de dezenas de mártires caídos na
luta durante o Estado Novo que lutavam por serem comunistas e não denunciarem
os seus camaradas. Como agora isto está muito pior, o tipo não só foi poupado à
luta para dizer que não é comunista como lhe pagam um luxuoso vencimento para
não fazer um corno na AR, convidam-no a vomitar insultos na televisão pública e
fazem dele capa de revista pirosa. De tanto tratar do corpo, perdeu os
neurónios que pensam. Agora imaginem esta gente aliada com o Chega num governo.
Que aventesma!
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