domingo, 20 de outubro de 2024

DOMESTICADORA DE GIRASSÓIS

 


Os 14 contos de Domesticadora de Girassóis, mais extensos do que é habitual neste autor, exploram universos fantasmagóricos com personagens que tentam equilibrar-se entre o real e o imaginário. O que há de anómalo e de paradoxal nas situações recriadas encontra na multiplicidade formal, que vai da ficção narrativa ao poético, da crónica ao drama, do relato autobiográfico à prosa ensaística e ao diário, vias de expressão para seres cuja existência está em permanente conflito com um mundo onde a separação entre caos e ordem perdeu qualquer sentido.

236 páginas
Maio de 2024
 

Venda directa – pedidos para: companhiadasilhas.lda@gmail.com
 
Também disponível 

na Snob: https://www.livrariasnob.pt/product/domesticadora-de-girassois ;





sábado, 19 de outubro de 2024

DE MÁ CONDIÇÃO

 


Calhou assim, não foi propositado. Chegou-nos ontem, Dia Mundial da Árvore e da Poesia, este segundo volume da Colecção Insónia. O primeiro foi "A Dança das Feridas". Esperámos 13 anos por ele, eu, a Maria João Lopes Fernandes e o Pedro Serpa.
 
Tal como aconteceu no passado, também deste volume não farei apresentações públicas nem distribuição pelas livrarias. Trata-se de uma edição única, minha e da Maria João - autora das pinturas na capa e no interior, originais concebidos para este efeito -, que em nenhuma circunstância deverá ser objecto de qualquer reedição.
 
Quem tiver interesse num exemplar, poderá contactar-nos, a mim ou à Maria João, por Messenger (Facebook, Instagram) ou email. O meu email é fialho.henrique@gmail.com. O valor de capa, com portes incluídos, é 10€. São 78 poemas e 9 reproduções de pinturas da Maria João Lopes Fernandes. O design e a composição é do Pedro Serpa.
 
Em memória de minha mãe, Clarisse Maria Tavares Bento.
 
Saúde.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

AS PALAVRAS VOAM

Poema concebido em 2005, originalmente publicado no n.⁰ 1 da revista Sulscrito, agora traduzido para italiano por Fabrizio Boscaglia e publicado aqui. Ficam o original e a tradução, com especial agradecimento ao Fabrizio pelo interesse:

FEED-BACK

Ouves os grilos no termo do dia,
sabes que são uma sinfonia
de compositores que habitam na erva.
Vês os insectos bailando contra a luz,
sabes que dançam
ao ritmo das melodias vindas do chão.
Sentes a maresia cair sobre a pele
como um véu de água,
subtilmente aconchegado às pregas do corpo.
Sabes que o gelo pode aquecer-te
nas fintas do cansaço.
Mas o que tu não sabes,
nem poderias saber,
é do tecto de estrelas que sobre ti anuncia
os olhos abertos da eternidade.

*

FEED-BACK

Ascolti i grilli alla fine del giorno,
sai che sono una sinfonia
di compositori che abitano l’erba.
Vedi gl’insetti che ballano controluce,
sai che danzano
al ritmo di melodie venute dal suolo.
Senti la salsedine cadere sulla pelle
come un velo d’acqua,
che si adagia sottile sulle pieghe del corpo.
Sai che il gelo può scaldarti
fra gl’inganni della stanchezza.
Ma quel che non sai,
né potresti sapere,
è del soffitto di stelle che su di te annuncia
gli occhi aperti dell’eternità.

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

ALGUMAS PREMISSAS

 


A poesia tende à essência humana.

*

Nenhuma lógica poderá explicar a originalidade do espaço poético, a sua autonomia e a sua verdade. Só a sensibilidade de cada um de nós, leitores, poderá ser a pedra de toque para aferir a sua autenticidade.

*

Numa época de imperialismos ideológicos em que de todos os lados se pretende arregimentar os homens e em que estes, por seu turno, procuram a sua segurança nas diversas formas de paternalismo em que aliviadamente possam abdicar da sua personalidade, a poesia, por muito restrito que se afigure o seu âmbito, constitui actualmente uma verdadeira potência regeneradora.

*

A poesia situa-se, pois, ao nível deste humanismo concreto e libertador, antidogmático por excelência.

*

O poeta tem o dom de ultrapassar o nível de consciência reflexiva e de instalar, por momentos, na consciência profunda ao nível da espontaneidade criadora, onde as energias naturais se desencadeiam na linguagem antes de qualquer conceptualização. 

*

A poesia é criadora de valores - logo profundamente social.

*

A poesia surge assim como negação de um mundo para se propor a si mesma na violência da sua liberdade, da sua existência absoluta mas confinada a si mesma. A poesia como liberdade total consciente de si própria, nasce no momento histórico em que não há possibilidade de participação fecunda no corpo social.

*

A poesia não se limita a dizer o que diz, seja o que diz uma mulher, a crença numa religião, a fé numa ideia, etc. Essa pretensa univocidade que leva os comentadores a tentar explicar o poeta (seja clássico ou moderno) por aquilo que na poesia é «de», isto é, a sua aparente determinação temática, é o erro de quantos, tratando de poesia, não reparam que ela essencialmente... poesia.

*

Ortodoxia e poesia são incompatíveis.

*

A poesia não prescinde da linguagem, pois que é fundamentalmente um acto expressivo.

*

A partir de Rimbaud a poesia passa a ser «um sopro que abre brechas nos muros». Assim se entra num mundo onde o real foi destruído, onde a única realidade é a própria linguagem.

*

O poema só pode ser entendido a partir de si mesmo, porque ele tem em si mesmo origem e o seu fim é ele próprio.

*

A poesia só aparentemente é evasão - na realidade, é um alargamento de horizontes, um aprofundamento até às raízes do ser.

António Ramos Rosa, in Poesia, Liberdade Livre, O Tempo e O Modo, Livraria Morais Editora, 1962.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

BALSEMÃO, O VELHO

 
Diz Balsemão, o Velho, no Público:

"Há uma frase que repetidamente digo ou escrevo. E, a cada ano que passa, a cada momento político, a cada inovação tecnológica, volto a ela e sinto que está mais relevante. “Mais do que nunca, é preciso quem selecione, ordene e hierarquize a informação.” E que o faça profissionalmente."

Podes crer, mano. Pede ao Milhazes.



terça-feira, 15 de outubro de 2024

PREÇO CERTO

 
Chego a casa, abro uma garrafa de vinho e como um naco de queijo de cabra com pão caseiro. Na televisão, dois indivíduos falam do jogo de expectativas nas eleições americanas, referem-se à marca Trump, debatem eleições como quem comenta um jogo de futebol. Em Gaza, as meninas e os meninos sufocam, no Líbano caem bombas israelitas, a barbárie ganha terreno e eu não percebo nada disto. Mudo para O Preço Certo.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

VÉNUS ANATÓMICA

 


   Tanto quanto pude apurar, as “vénus anatómicas” foram criadas por um tal Clemente Susini, algures no final do século XVIII, com o intuito específico de servirem para estudos de anatomia. São bonecas de cera feitas em tamanho natural, adornadas com colares de pérolas, cabelo humano verdadeiro, o mais fiéis possível à realidade. Mulheres com as entranhas à mostra que inspiraram várias teorias necrófilas, reforçando a ideia de que eros e thanatos sempre andaram de mão dada. Podemos também compará-las a múltiplas representações da vanitas, caveiras com o intuito de nos avivarem a dimensão finita da existência, o lado passageiro da vida materializado na carne desaparecida de corpos que se degradam e transformam.
   A pulsão de morte está intimamente ligada à percepção dos ciclos da vida, a essa ideia fundadora da religiosidade que olha para um corpo como algo que se metamorfoseia com a morte gerando outra forma de vida. Enterrar um corpo é semeá-lo, é esperar que do nada brote o tudo que ao nada será devolvido. O todo está no nada, o nada está no todo, diziam os hermetistas do deserto. Este é, desde sempre, o ritmo dinâmico das coisas arrumadas pelos homens em sucessivas camadas que problematizam e tornam complexa aquela que é, porventura, a mais simples das realidades: estar vivo é estar à morte.
   Filipe Homem Fonseca (1974), autor de romances, de contos, de poemas, está ciente desta complexidade simples no seu mais recente “Vénus Anatómica”, livro com uma dimensão lúdica patente, desde logo, na nota inicial que dá conta de múltiplas possibilidades de leitura oferecidas por este volume. Os textos foram organizados em cinco partes, remetendo cada uma delas para uma personagem central: um homem em fuga, um caçador pela metade, um pai em estado de pós-hibernação, uma mulher inteira — a filha a quem o pai oferece uma vénus anatómica — e um cão morto. Ao leitor é sugerido que organize as cinco partes como bem entender, podendo começar da primeira para a quinta ou pela última até à primeira, do meio para o princípio saltando posteriormente para o fim e assim sucessivamente, numa multiplicidade de opções que não se esgota aqui. Outra seria a de ler cada um dos curtos textos em que se subdividem os capítulos respeitando a numeração para que enviam o leitor e que vai do dia 1 ao dia 19523.
   Entrar neste livro é, portanto, entrar num labirinto do qual não se sairá incólume, já que a predisposição lúdica do Autor não se fica pela estrutura, ela contamina a linguagem colocando em xeque aquilo a que poderíamos chamar normalidade narrativa (assim acreditássemos nessas coisas). Na linha dos vários autores que cita em epígrafes (Almada Negreiros, Clarice Lispector, Mário Cesariny, Joyce Mansour, Jorge de Sena), Filipe Homem Fonseca prefere a subversão dos processos à versão dos modelos, opta pelas inversões e pelos reversos, elabora o que poderia ser uma sessão anatómica da arte de narrar histórias, aqui composta também por camadas que nos oferecem múltiplos relatos alegóricos, desbravando corredores metafóricos na imaginação do leitor. Neste sentido, é um livro altamente desafiante que está constantemente a sugerir-nos que dêmos mais um passo no interior do pântano labiríntico em que nos fomos meter ao abrir estas páginas.
   Descaradamente antinaturalista, imensos degraus acima do realismo, mas não se esgotando também nas chaves mestras do surrealismo e seus sucedâneos mais ou menos fantasiosos, sem resvalar para o barroquismo fastidioso das frases cerzidas a agulha, esta prosa de “Vénus Anatómica” revela uma dimensão poética que é do domínio da imaginação mais livre. Começa no efeito produzido por palavras grafadas “de pernas para o ar” e desenvolve-se numa linguagem ousada que volta tudo do avesso, mostrando-nos o que há de belo no horrível e o que pode haver de horrível na beleza, revelando a face bondosa da maldade e o rosto maldoso da bondade, baralhando hierarquias para as recusar, fazendo da caneta um bisturi que pega na linguagem das personagens como se estivesse a dissecar um cadáver.
   A mulher desta(s) história(s) lê Joyce Mansour, é jovem, cabelo cor do fogo, usa-o apanhado, chamas contidas. O sol não lhe toca, é pálida da testa ao pescoço, dos pulsos até à ponta dos dedos, dos tornozelos aos pés. Morde-se a si própria. A mulher tem o cheiro da esteva, das palavras de ordem e da intangibilidade das ideias. O homem é viajado. O homem, rosto, tronco e membros, é bronze, tem a cor dos dias ardentes. O homem tem o cheiro da terra que nunca acaba. Estas personagens, ou impersonagens, não falam de um modo natural, têm poesia na ponta da língua, têm a boca cheia de poesia. Vivem numa dimensão que não é a nossa, felizmente, para nos mostrarem numa espécie de efeito espelho a dimensão em que nós vivemos: «Somos uma família de peças quebradas. / Cheguei de asas, parto sem raízes.» Dia 19523 (ainda).

domingo, 13 de outubro de 2024

VIRTUALIDADES VIRTUOSAS

"Acho que o plano tem virtualidades", diz Luís Marques Mendes. Eu cá julgo que Luís Marques Mendes também é mais virtualidades do que virtudes. E querem esta anedota para Presidente da República.

sábado, 12 de outubro de 2024

UM POEMA DE ANA ZANATTI

 


AS TRAPEZISTAS

Correram na direcção uma da outra,
subiram juntas ao ponto mais alto
Sapho não sabia que Átis estava presa
por um fio elástico
que a devolvia ao ponto de partida
Sapho, liberta, lançava-se no voo
Átis, a dos seios floridos,
nada sabia da sua invisível prisão

Frente a frente, olharam-se:
era o sinal
Átis receberia Sapho nos seus braços
para o balanço de um novo voo

As luzes da tenda gigante eram agora
estrelas agitadas
Lançaram-se, com a justa diferença de segundos,
uma    outra

No espaço turvo de poeira,
o silêncio inquietava-se

No momento exacto em que Átis tomaria Sapho nos braços,
o elástico puxou-a de volta

Diz quem viu
que foi o voo mais belo,
como belos são os voos solitários,
as mortes

Sapho não caiu
Diluiu-se no pó da noite
deixando um astro a pairar
sobre o coração de Átis

Ana Zanatti, in As Trapezistas, Abysmo, Agosto de 2024, pp. 43-44.


sexta-feira, 11 de outubro de 2024

TRICOT, YOGA, CROCHÉ

 
Ontem, um amigo mandou-me uma mensagem a dar conta de que sua excelência a Ministra da Cultura foi para o festival literário de Óbidos gabar a rede de bibliotecas. Pois muito bem. Só que a senhora disse que as bibliotecas são centros de actividade onde inclusivamente se podem realizar aulas de tricot, yoga, croché. Hoje, o mesmo amigo envia-me a notícia de que a "Livraria Lello quer médicos a receitar livros e lança petição para que Parlamento o decida". Sic erat scriptum. Quando era livreiro tinha pesadelos com clientes que saíam da livraria com sacos cheios de canecas, lápis, baralhos de cartas, marcadores para os livros, óculos de leitura, sabonetes literários. Levavam tudo menos livros. Eram pesadelos que se tornaram realidade. A ficção não foi superada pela realidade, fundiram-se uma na outra a ponto de hoje nos ser difícil aceitar que o mundo não é um grande manicómio. Sendo este o caminho, deixo algumas sugestões: que os livreiros passem a vender ansiolíticos e que as bibliotecas se transformem em casas de passe e que os hospitais sejam discotecas e que o Parlamento produza pastéis de nata e que os parques e jardins se tornem definitivamente grandes salas de espectáculos a céu aberto e... Ah, espera, os parques públicos já são grandes salas de espectáculos a céu aberto. Enfim, chego sempre tarde ao futuro.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

PARABÉNS

 
Han Kang tem 53 anos. Finalmente os suecos acertam, dão o guito a quem ainda tem idade para o estourar. Isto de atribuir grandes prémios a corpos acabados tem de acabar.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

«HUM GIL»

 


«hum Gil»
desenhos de José Carlos Faria
para o Teatro de Gil Vicente

Exposição inaugurada a 9 de Outubro de 2024

«Oh, Descreio não de São», pp. 16-17.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

O CRIME COMPENSA

 
Há um triplo homicídio e logo surge a expressão "onda de crime". A comunicação social, ávida de audiências, transforma a onda num canhão da Nazaré. O Chega surfa o canhão e faz do fenómeno um tsunami. Ora bem, o que torna o triplo homicídio particularmente chocante é a sua excepcionalidade num país como o nosso. O último de que me recordo foi em 2017, o do tal Pedro Dias, português de bem que, como qualquer português de bem, não era imigrante nem cigano nem negro. Não há nenhuma onda de crime, o que há, de facto, é uma disseminação oportunista do sensacionalismo, maná dos populistas que cavalgam o medo e nos minam o espaço mediático com o ódio. Dizem-se todos muito católicos e cristãos. Infelizmente, não praticam os aconselhamentos do senhor Jesus. O Cristo.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

POETAS

 



Não sei se conhecem a poesia de Carlos Moedas, autor também de relevantes ensaios literários no domínio da literatura inclusiva. Gostei particularmente do seu romance que tem como protagonista a Carla Bruni, ainda que lhe prefira os contos em moedas de 200 escudos. É um escritor incontornável do panorama literário português e internacional. Lá estarei nas bichas dos autógrafos para uma assinatura no frontispício de... ai... como é que se chama... hum... "Error 1016", ó quê.

domingo, 6 de outubro de 2024

VEM NO PÚBLICO

"Luís Marques Mendes é "um dos que encaixam melhor no perfil" que Luís Montenegro traçou para, como presidente do PSD, apoiar na candidatura ao cargo de Presidente da República, nas eleições de 2026."

Aquilo que anda há anos a ser cozinhado pela SIC, depois de as televisões terem transformado o patético Marcelo em Presidente da República, tem agora o aval do actual primeiro-ministro. Entretanto, anunciam-se apoios aos mass media privados e cortes na RTP. Não percamos de vista esta notícia de 13 de Junho do ano corrente: "100% do capital da SIC está dado como garantia adicional de um empréstimo contraído junto do BPI. O acionista único da SIC, a Impresa, tinha um passivo financeiro no final de 2023 que é superior a 212 milhões de euros." Dito isto, é juntar as peças. Estes amigos de Ricardo Salgado passam a vida nisto, já era assim antes do 25 de Abril de 1974 e não deixou de ser. Nestas matérias o país manteve-se igualmente nepótico. Dito isto, e desde já o declaro, se Marques Mendes vier a ser Presidente da República fica provada a máxima de Almada Negreiros: “O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, Portugueses, só vos faltam as qualidades.”