Tanto quanto se sabe, Ricardo Tiago
Moura (1978) estreou-se com “Um gato para dois” (2013). Desde então, tem
publicado vários livros reveladores de uma poesia fortemente influenciada por soluções
formais amadurecidas no terreno da denominada poesia experimental. Ainda que o
lirismo não tenha sido radicalmente rasurado nesta poesia, ele surge-nos como
que numa posição de subalternidade face à experiência lexical, sintática, formal. “Comunidade – Comunicante” (não (edições), Março
de 2024), editado numa “chancela heterogénea dedicada a
livros singulares”, não é excepção. Trata-se de um “dois em um”, colectânea de dispersos que se
desvia do formato convencional desse tipo de livros almejando um equilíbrio incomum. A parte intitulada “Comunidade” é especialmente cativante, com os
títulos dos poemas a assumirem a forma de didascálicas naquilo a que podemos
dar o nome de poema dramático, uma espécie de peça coral para personagens tipo oriundas
do métier literário e artístico. Além dos poemas, este livro oferece-nos igualmente
um conjunto de colagens. São estas, por assim dizer, a cenografia onde as vozes
do poeta, da escritora, do autore, da investigadora, do crítico, da artista, da
gestora cultural, do editor, da curadora, do ficcionista, enfim, de «uma
comunidade / de gente que pretende / e se protege / pertencendo», vêm à cena
dizer de sua justiça, num processo quase invariavelmente de recusa ou problematização do
seu estatuto enquanto personas. A dispersão, mais evidente na parte com o
título “Comunicante”, logra, ainda assim, um equilíbrio temático que confere ao
conjunto uma linha de pensamento inequívoca, problematizando a relação
leitor/lido, espectador/autor, «autor-leitor abraçados». Um poema:
(cruz-vermelha)
é urgente:
não precipitar
não chegar
ao fim
da rua a desaprender a trote
as compras ou as horas
não precisam de sarcasmo
oportunamente a explicar
mas assentam nele tão bem
em todos os espaços do meio
e não escrevo isto com motivos
porque fácil é amar
uma ponte um resquício
de ontem
mas bonito é gostar
de bairros sociáveis
aceitar
foder rápido
em várias periferias
é urgente:
não comunicar
contracopular
ler o que diz
a fome
que digo eu
falo de cor
Ricardo Tiago Moura, in Comunidade –
Comunicante, não (edições), Março de 2024, s/p.