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quinta-feira, 1 de outubro de 2020

DEREK MAHON (1941-2020)


 

Morreu Derek Mahon (23 November 1941 – 1 October 2020), extraordinário poeta irlandês, natural de Belfast. Estreou-se em 1965, recebendo vários prémios ao longo da vida. Já este ano foi galardoado com o Prémio Irish Times Poetry Now. Acabei de mudar para português um poema seu, à laia de homenagem, proveniente do livro "The Snow Party" (1975). Espero que o poeta me perdoe, lá onde estiver:

FESTA DA NEVE

para Louis Asekoff

Chegando à cidade
de Nagoya, Bashô é convidado
para uma Festa da Neve.

Há um tilintar de porcelana
e chá da China.
As apresentações são feitas.

Ajuntam-se então
todos à janela
para verem a neve cair.

A neve cai em Nagoya
e mais a sul
nos azulejos de Quioto.

A leste, para lá de Irago,
a neve cai
como folhas num mar de gelo.

Noutros lugares queimam
bruxas e hereges
em praças efervescentes,

milhares morreram desde o amanhecer
ao serviço
de reis bárbaros;

mas há silêncio
nas casas de Nagoya
e nas colinas de Ise.

domingo, 20 de setembro de 2020

UM POEMA DE DEREK MAHON

 



POETAS DOS NOVENTA
 
Lentamente, com a grave negligência
Da sua espécie, cada rosto esculpido em espírito
Surge diante de mim, olhos
Arruinados pela descoberta.
 
Quase me havia esquecido de tais existências,
Tão ciumento andava eu da minha pele
E o mundo comigo. Como
É agora convosco?
 
Ter-vos-ão desapontado a morte e suas metamorfoses,
Assim como os vermes que tão de perto vistes?
Talvez hajais descoberto que tendes de fazer fila
Para um bilhete de entrada no inferno,
Apesar dos vossos perfumes a louro.
 
Fostes todos crianças de sabedoria indefesa,
Tagarelas aposentados que tolos não seriam
Clérigos rurais frustrados
Que jamais alguém ordenaria.
 
Não espereis favores da reincarnação,
Nenhum anseio após o álcool e as putas
Pois vós, mais do que ninguém,
Fizestes a vossa parte
Em levar a natureza até à arte…
 
Dai-vos por satisfeitos ao espalhares pelos prados
Cabelo e bocas juvenis presas a flores
E ficai descansados, o dia
Será a luz do sol, e a noite
Um zeloso espectro de estrelas.
 
 
Versão de HMBF.

terça-feira, 8 de setembro de 2020

UM POEMA DE DEREK MAHON

 


AVÔ
 
Trouxeram-no do mundo numa maca,
Ferido mas humorado. E logo recuperou.
Salas de caldeiras, filas e mais filas de pórticos abrindo-se
Para revelar a paisagem de uma infância
Que só ele pode reconquistar. Mesmo nas manhãs
Frias levanta-se às seis com um bloco de madeira
Ou uma caixa de pregos, discreto nas intenções
Ou martelando à volta da casa como se tivesse quatro anos
 
Nunca está quando precisas. Mas depois de escurecer
Ouves o som das suas botifarras no corredor
E nelas ele chega, o mais querido possível. Cada noite
Os seus olhos argutos trancam a porta e acertam o relógio
Face ao futuro, depois a sua luz desaparece.
Nada lhe escapa; ele escapa-nos a todos.
 
 
Versão de HMBF.