sábado, 15 de maio de 2021

LIMEHOUSE BLUES (1921)

 


Figurante em dois documentários, entretanto promovido a actor, estou capaz de digerir as palavras dos outros sem necessidade de as vomitar imediatamente noutras que sejam minhas. Papéis fugazes desempenhados com gozo, o das experiências raras. Talvez tenha actuado em palcos de falas espontâneas, falsas falas espontâneas, e finja agora não me recordar de quão actor hei sido de mim mesmo. Talvez. Isto agora é diferente. Eu, que nunca me senti confortável a fazer sala, sou pago para organizar folhas de sala em peças onde é audível a respiração dos mortos. Talvez um dia venha a fazer de general curvado pelo peso das condecorações. Que esbanjamento, essa coisa de distinguir a alegria de viver quando nem às solas dos ídolos chegámos. Philip Braham, por exemplo, e Douglas Furber, por exemplo, terão sido condecorados pela homenagem que fizeram à chinatown londrina? Quem homenageia o trabalho nos bordéis? Quem distingue aquelas que entre as demais foram as melhores putas? E os melhores chulos? Quanto a mim, mereciam outra consideração no dia da cidade: «Rings on your fingers / And tears for your crown / That is the story / Of old Chinatown». Hoje queria ser Sidney Bechet, calcorrear as ruas de New Orleans a assobiar 2:19 Blues, andar de cidade em cidade espargindo a saliva do improviso, queria atravessar oceanos transportado pelo silvo de uma melancolia que ri, não me importaria sequer de ter alvejado aquela mulher no lugar errado, alegadamente por não ter sido disparada na sua direcção a bala fatídica, mas na do músico rival com o desplante de acusar um acorde ao lado, uma nota desacertada, uma bala falhada. Dançar Big Butter and Egg Man agarrado aos braços de Lil Armstrong, sim, isso eu queria de verdade, não estas manhãs, tardes, noites simulando que sou quem sou.

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