terça-feira, 11 de maio de 2021

UM POEMA DE FRANCISCA CAMELO

 


o último estudo das gaivotas
 
as gaivotas
são o meu medo escatológico
 
fizeram ninhos mesmo em cima
do meu quarto rosa
 
quando me acordam pelas quatro da manhã
imagino-me a esgrimir um bastão de basebol
esmagando as cabecinhas
das gaivotas bebés
que guincham agudas sob o sol que nasce
mas são espécie protegida
e nunca matei bicho nenhum
maior que um mosquito
não sei se ia gostar
imagino que não
 
de dia berro com elas
suplico que se calem
a verdade é que param
por uns segundos, como os
gatos em época de cio
quando são interrompidos
odeio-as e quero-as mortas
passou-me contudo pela cabeça
a ideia de adoptar uma
preferia um gato
mas uma gaivota que não mordesse
assim pousada no meu ombro
nem seria mau demais
 
loucura
gaivotas
solidão
 
teorizar sobre as últimas coisas
implica sempre decidir
qual delas nasceu primeiro.
 

Francisca Camelo, in O Quarto Rosa, Exclamação, Agosto de 2019, pp. 27-28.
 

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