animal de festa e guerra,
homem,
preso a si mesmo pela cauda ridícula,
preso aos outros pelo movimento da pata,
não tens outra porta ou acomodação necessária,
não tens outro tema ou teorema
a modular com as traças.
Teus pais te engendraram para seres doméstico.
Uma estrela guiou tua vinda para seres doméstico.
Cresceste além da sede e da fome
para seres doméstico.
E quando pensaste atingir o infinito, com as têmporas
ficaste enterrado num sótão doméstico.
Doméstico como os gatos e as moscas,
não pões asco de estar ali
a farejar os pratos
e cheirar por justiça nos corredores.
Doméstico e atado
pela coleira das convenções,
doméstico e fácil, satisfatório
em todos os assuntos de disciplina,
hábil na manipulação dos horizontes,
que fazer senão saber-se
passivamente doméstico,
enrolando-se nisso?
Articulas-te, entre a angústia e a esperança,
com o dorso numa e noutra coisa
e as pernas da ambição nos eléctricos.
Animal doméstico,
dormes nos calendários
e a morte te desperta
no melhor da sesta.
Doméstico, até na morte doméstico.
Carlos Nejar, in Antologia Poética de Carlos Nejar, org. António Osório, Pergaminho, 2003, pp. 43-44.
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