Qualquer que seja a perspectiva, facilmente se conclui
que a História dos Estados Unidos da América (do Norte) confunde-se com a cinematografia
de John Ford (1894-1973). A Trilogia da Cavalaria é um desses momentos, na sua
vasta obra, em que se torna evidente a função historiográfica do cinema. Mas
esta função historiográfica não é preponderante, na medida em que se permite
ultrapassar pela exploração psicológica das figuras representadas. É assim com
a ambição e o ressabiamento do Tenente Coronel Owen Thursday (Henry Fonda), em
Fort Apache (1948), como com a coragem, determinação e entrega do Capitão Nathan
Brittles (John Wayne), em She Wore a Yellow Ribbon (1949). Não respeitando uma
sequência cronológica, os três filmes encontram-se ligados por múltiplos
aspectos. Por um lado, a omnipresença de actores como John Wayne (símbolo, por
excelência, da americanidade) e do inglês Victor McLaglen (como que fazendo
justiça às origens britânicas do mestre); por outro, a reincidência de alguns
actores na trilogia (John Agar nos dois primeiros; Ben Johnson nos dois
últimos, curiosamente no corpo de uma personagem com o mesmo apelido: Tyree).
Podemos induzir que estas repetições, acompanhadas de uma evolução reflectida
nas patentes dos militares em cena, fazem recair sobre a figura de John Wayne o
centro das atenções. O primeiro e o terceiro filmes da trilogia foram filmados
a preto e branco. Apenas o segundo é a cores. No entanto, é no segundo dos
filmes que a personagem interpretada por John Wayne aparece mais madura, com madeixas
brancas no cabelo, viúvo, no estatuto de capitão. E se no primeiro e no terceiro
filmes tem um apelido similar, no segundo Kirby York(e)
transforma-se em Nathan Brittles. Não sendo a mesma personagem, pelo menos em
nome, poderia ser o mesmo homem. Assim somos levados a acreditar, também, por
se passarem as três narrativas num mesmo espaço geográfico, ao longo de uma mesma
época, posterior à Guerra da Secessão, em que a Cavalaria fazia recair as suas
preocupações sobre grupos de índios que não se conformavam com as imposições da
“governação branca”. A verdade é que na filmografia de John Ford encontramos
muitos exemplos onde o que parece não é, sendo que o oposto também se verifica.
O olhar que perpassa nos seus filmes está mais concentrado na dimensão humana
das personagens do que numa eventual esquematização narrativa, reverente a pressupostos
históricos, culturais e políticos. Rio Grande é, neste contexto, um filme
extraordinário. Nele encontramos um militar rigoroso e absolutamente dedicado
ao sucesso das suas missões, colocando a Cavalaria acima da família e dos
interesses pessoais. O condimento que apimenta o drama surge quando o seu filho
surge como recruta no regimento. Mas a tensão não se fica por aqui. Logo de
seguida, aparece a mãe do recruta Jeff Yorke com a intenção de o poupar à vida
militar. O drama familiar assim incutido toma conta da narrativa, relevando
para segundo plano outras leituras possíveis. Rio Grande impõe-se como uma
versão do complexo de Édipo, com um jovem rapaz a querer afirmar-se aos olhos do
pai, reclamando o seu respeito, esforçando-se por merecer a sua consideração.
Jeff criou dentro de si a imagem do pai-herói e quer responder-lhe com
determinação, embora a mãe tente adverti-lo de que para ser um grande
soldado tem um homem que se tornar uma muralha de solidão. Esta mesma muralha
impede Kirby Yorke de manifestar os seus afectos quer pelo filho, quer pela
mulher, embora eles sejam perceptíveis em momentos de dissimulada preocupação e esgares
de ternura levados pela sombra. A presença de Kathleen e Jefferson no acampamento
abrem na vida do Tenente Coronel Kirby Yorke a ferida que, no fundo, lhe
permitem ser homem para lá da Cavalaria. A flecha que Jeff extrai do peito do
pai, no termo de um conflito com um grupo de Apaches que haviam raptado as
crianças do acampamento, é a imagem poderosíssima de uma leitura alternativa do
complexo edipiano. Mais do que matar o pai, Jeff salva-o da morte. E este gesto
valerá tanto dentro de si como qualquer outro que pudesse marcar a sua afirmação,
a sua libertação de um elo protector que acabava por diminuí-lo enquanto ser
autónomo, livre, independente. Aquela flecha é o milímetro de cordão umbilical
que lhe faltava cortar para ser livre. Kirby Yorke percebe-o, por isso pede ao filho
que extraia a flecha como se ele fosse um qualquer outro dos soldados do seu
regimento. Sabendo que, no entanto, não é um qualquer outro. É o seu filho.
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