sábado, 29 de junho de 2013

STRANGER ON THE RUN (1967)

O actor Sal Mineo, que em Cheyenne Autumn (1964) encarnou o papel de um jovem índio irreverente, é a ponte de que me sirvo para chegar a Stranger on the Run (1967). Os dois filmes estão em margens opostas. A grande produção de Ford nada tem que ver com a obra desenrascada de Don Siegel (1912-1991), realizador habituado aos baixos orçamentos da chamada série B. Mas Stranger on the Run é revelador de uma competência inquestionável. Siegel, que orientou Eastwood em Dirty Harry (1972) e John Wayne no seu acto derradeiro (The Shootist, 1976), faz-se aqui valer de um outro grande actor, Henry Fonda, e da música do compositor Leonard Rosenman (com um currículo invejável de bandas sonoras para filmes diversos). São estes os dois elementos mais interessantes de um filme que, se bem sei, foi pensado para televisão, mas consegue superar em múltiplos aspectos inúmeras produções medíocres exibidas na grande tela. Comecemos por sublinhar o empréstimo de Rosenman a uma história repleta de tensões onde a música desempenha um papel preponderante. Observe-se, escute-se:
Esta sintonia entra a acção e a música que a ilustra é um dos argumentos fortes de Stranger on the Run. Por vezes, somos levados a crer que os rostos dos actores, a postura que adoptam, estão a ser conduzidos por um maestro de batuta na mão. Não se trata de uma característica irrelevante, sobretudo se tivermos em conta as limitações do realizador na escolha dos adornos. Uma boa banda sonora é um recurso extraordinário, consegue disfarçar a escassez de meios que separam as grandes produções dos filmes de baixo orçamento. E um excelente actor também ajuda. Henry Fonda é esse actor que transforma um argumento simples numa narrativa exemplar, carregando aos ombros um elenco menor mas com algumas curiosidades. Sal Mineo, acima mencionado, é uma delas. A outra é Michael Parks, num papel secundaríssimo, recentemente reencontrado em Django Unchained (2012). Anne Baxter, neta de Frank Lloyd Wright, é o rosto feminino desta história de homens que, não por acaso, tem no centro das atenções uma misteriosa mulher. Henry Fonda é Ben Chamberlain, vagabundo viciado em uísque que chega a uma cidade ferroviária isolada no meio do nada com a missão de encontrar Alma Britten e levá-la para junto do irmão. Esta promessa por cumprir revela-se pesada quando Chamberlain se apercebe do mistério que envolve o nome de Alma. Numa cidade onde parece haver mais lei do que pessoas, é de estranhar a opressão e o medo que todos cala e afasta sempre que o nome de Alma Britten é pronunciado. Violada e esfaqueada por um dos ajudantes do delegado, Alma vive isolada numa pequena barraca onde Chamberlain chegará deparando-se com o seu corpo já sem vida. Assistiremos então a uma perseguição com fundamentos similares aos de filmes como The Fugitive: um inocente em fuga, falsamente acusado de um crime que não cometeu, é perseguido pelos autores desse mesmo crime. Porém, não estaremos apenas perante a história de um homem que procura provar a sua inocência, mas também de um ser humano que procura recuperar a sua dignidade. O resgate de Alma transforma-se, então, no resgate da alma. Em sentido paralelo, assistimos ao desmoronar da fachada que encobre os podres da lei naquela cidade mesquinha. A queda de um edifício moral rudimentar vai sendo acompanhada pela ascensão de uma vida recuperada. O vagabundo que chega à cidade rastejando na poeira levanta-se do chão e vê tombar à sua volta o poder podre que ali governava. Don Siegel filma e monta com uma competência inegável as cenas desta narrativa simples, mas eficaz, deixando ainda espaço para pormenores simbólicos como a presença de um velho ajudante do delegado que descobre para já nada servir ou o deslumbramento de um jovem que, contra a vontade da mãe, quer usar um distintivo, deparando-se no final com a debilidade moral daqueles que o exibem. Stranger on the Run é sobre homens que se encontram a si próprios, homens que deixam de ser estranhos para si próprios.

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