O western é um género onde os contrastes se evidenciam nos
conflitos entre opostos. A justiça contra a injustiça, o mal opondo-se ao bem,
a lei ao crime, amor e ódio, as primeiras cidades irrompendo num universo
essencialmente rural, num contexto onde a matriz é ela própria instável: o “mundo
civilizado” a tentar tomar conta dos “selvagens”. Mas quem olhe para estes
choques como meras encenações de lutas entre cowboys e índios, perde a
oportunidade de compreender a dimensão artística de um cinema que não pode ser
reduzido exclusivamente à arte de entreter. Na realidade, não são assim tantos
os westerns com cowboys (geralmente confundidos com pistoleiros), e menos
aqueles que colocam tribos índias face a face com os homens do gado. Temos
aqui, como ó óbvio, dois modos divergentes de encarar a existência: os índios,
na sua origem, eram nómadas; os cowboys, apesar das longas deslocações, têm já
sobre si a nuvem do sedentarismo. Numa fase mais avançada deste polémico
encontro, encontramos divisões territoriais, distribuições assimétricas da
riqueza e das terras, a separação geográfica imposta pela guerra, fomentando ódios
e invejas, mas sobretudo uma desconfiança racial intransponível. O medo
torna-se tema, e com ele a única força capaz de o combater, ou seja, a coragem.
Nathan Juran (n. 1907 – m. 2002) empenhou-se na reflexão destas questões nos
seus westerns (verdade seja dita, sem grande consistência). Apesar de
ter sido um director artístico de monta, conseguindo um Oscar pelo trabalho colocado
em prática no filme How Green Was My Valley (1941), de John Ford (n. 1894 – m.
1973), Nathan Juran nunca logrou igual reputação enquanto cineasta. Dos
westerns que realizou, destaca-se Drums Across the River/Tambores ao Longe
(1954) pelo esforço colocado na representação das problemáticas acima aludidas.
Com um elenco menor, onde se destacam as presenças de Walter Brennan (o velho
Stumpy de Rio Bravo) e do herói de guerra, entretanto transformado em actor
pela máquina oportunista de Hollywood, Audie Murphy, nos papéis,
respectivamente, de pai e filho, Juran pega numa história com vários
ingredientes populares e procura construir um filme em torno da utopia, ao
mesmo tempo sentimental e ingénua, da possibilidade de uma convivência pacífica
entre índios da nação Ute e brancos estacionados na região (o Chefe Ouray evocado no filme existiu de facto). Estávamos no
pós-guerra, é certo, e a questão vinha mesmo a calhar. Mas o aspecto demasiado polido
das representações, apesar da pertinência do argumento, deixa muito a desejar.
Ainda assim, este esforço merece uma referência para tentarmos perceber como a
arte do entretenimento nem sempre anda de costas voltadas para as grandes
questões políticas e sociais do seu tempo. O cenário é Crown City, uma cidade
decadente do Colorado, construída por cima de minas de ouro entretanto extintas,
onde um jovem bem comportado se junta a um grupo de rufias para tentar explorar as minas na margem índia do rio. A tentativa
sai gorada, desencadeando uma situação tensa entre as duas margens, que deixará
o jovem Gary Brannon (Audie Murphy) bastante comprometido perante os desordeiros
de quem se tinha aproximado. Após várias trafulhices e alguns equívocos, tudo
acabará bem, com o tradicional beijo no remate e muita esperança no futuro.
Esta leitura ficcionada da realidade projectou no imaginário colectivo, desde
que ganhou forma, toda uma série de falsas esperanças que o curso da História
se vai encarregando de desmistificar. Como diz o povo, de boas intenções está o
inferno cheio. E o cinema também.
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