Há dias, ao chegar a casa, vi uma vizinha parada no meio
do largo com um colchão na mão. Vestida de preto da cabeça aos pés, com lenço
na cabeça, presumo que cumprindo o luto a que obriga a tradição cigana. Perguntei-lhe
se precisava de ajuda a transportar o colchão. Respondeu-me com um sorriso.
Agarrei de um lado, ela do outro, e enquanto o deslocávamos na direcção do
prédio foi-me agradecendo, que Deus me pagasse, tinha encontrado o colchão
junto ao lixo, estava em boas condições, havia que aproveitá-lo. Quando o
largámos à porta do prédio, voltou a agradecer-me: que Deus me pagasse.
Estava vestida de preto, da cabeça aos pés, com lenço na cabeça. Acho que se
uma mulher quiser vestir-se de preto da cabeça aos pés, deve poder fazê-lo.
Acho que se não quiser, ninguém a deve obrigar. Acho que as pessoas devem poder
apresentar-se de acordo com as suas convicções, com a sua cultura, etnia. E acho que não custa nada
ajudar alguém a transportar um colchão.
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