Podia ser hoje numa cidade síria, mas é apenas o plano de
um filme sobre a ocupação de Varsóvia durante a II Grande Guerra. Talvez um dia
venhamos a saber de Władysław Szpilman sírios, também por lá devem existir
sobreviventes com talentos inimitáveis. Revejo O Pianista com uma dúvida acerca
da passividade judaica, dúvida ingénua a merecer logo recriminações. A passividade
explica-se pelo respeito à lei. É irónico que tenha a lei surgido para proteger
os fracos, acabando por se transformar numa arma que justifica a barbárie na
consciência dos fortes. Já sabemos onde pode levar-nos a lei, a ordem, a regra,
a norma, o dever, o respeito cego, a reverência, a absoluta adoração da
palavra. A história admirável de Szpilman é de sobrevivência, antes de mais.
Mas é também a de uma enorme e corajosa capacidade de fintar a lei, de não lhe
ser subserviente questionando-a, exercendo sobre ela o teste moral da crítica.
Tanto o pianista como o oficial alemão que o auxiliou, foram verdadeiramente
humanos quando desobedeceram, quando entenderam haver na organização social então
em vigor uma terrível atmosfera de insanidade. É provável que a música os tenha
aproximado no que em cada um havia de essencialmente bondoso, a música tem esse
poder transformador como nenhuma outra arte porque nos abstrai da palavra. A sua
linguagem é outra, as suas regras são outras, a música é a palavra descansando
do sentido. E só a isso devíamos chamar divino. Julgo que se em vez de falarmos
cantássemos, se comunicássemos a cantar como os pássaros, voaríamos mais e
rastejaríamos menos. Infelizmente, perco a esperança sempre que vejo um musical.
Se comunicássemos a cantar seríamos ainda mais ridículos. Melhor permanecer calado, a saborear de olhos fechados a geleia oferecida pelo inimigo.
2 comentários:
https://en.wikipedia.org/wiki/Warsaw_Ghetto_Uprising
Também está retratado no filme.
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