HAPPY HOUR
Dado: Um curso de água — e os chimpanzés sentam-se
para seguir a corrente,
ouvir o murmúrio branco
que se ergue silencioso —
como se fosse ouvido pela música.
Tão pensativos estão os animais
espalhados em bando afastados uns dos outros em redor da água
que mantém o sonho a flutuar
ao cair
sobre as rochas negras.
Os chimpanzés olham fixamente
mergulhados em si próprios
de costas para o mundo,
para a multidão importuna
que com gritos e esbracejando
tenta instigar um comportamento mais selvagem
dos animais que, com o sol no pêlo,
meditam profundamente
e não se deixam impressionar...
Aparentemente não estamos sozinhos
no subtil considerar da criação do mundo,
ouvindo o sussurro das pedras e o cintilar da luz na água
— o que impele os chimpanzés
a competir com os filósofos mais resistentes,
quando em horas de pensamento refinado
ficam quase parados,
clarividentes,
na relva solar à beira da água
que corre borbulhando tão branda e bela
que por um momento apazigua as rivalidades no bando
— e também no público,
e em nós, e devagar nos enche
de um sufocante espanto pela dádiva deste incompreensível mais.
Pia Tafdrup (n. 1952, Copenhaga, Dinamarca), in Ponto de Focagem no Oceano, Tradução colectiva (Mateus, Junho 2002), revista, completada e apresentada por Laureano Silveira, Quetzal Editores, Março de 2004, pp. 60-61.
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