sábado, 29 de julho de 2017

ARROW IN THE DUST (1954)

Exactamente no mesmo ano em que deu corpo a Johnny ‘Guitar’ Logan, naquele que é para muitos o melhor western de todos os tempos, o actor Sterling Hayden foi protagonista num filme de Lesley Selander (n. 1900 – m. 1979) intitulado Arrow in the Dust/A Coragem de Um Desertor (1954). Bart Laish é o desertor da cavalaria que irá fazer-se passar pelo Major Andy Pepperis, com o qual mantinha velhas afinidades, na missão de escoltar uma caravana de emigrantes do Oregon a caminho de porto seguro no Velho Oeste. Em 1954, Selander contava com inúmeros westerns no currículo. Estreara-se dezoito anos antes com dois filmes do género, dando visibilidade, nos primeiros tempos, ao lendário actor Buck Jones, uma das maiores estrelas do western de série B. The Lone Ranger foi uma das figuras icónicas que ajudou a erguer.
Arrow in the Dust é, como muitos dos seus filmes, rápido e repleto de cenas de acção, com diversas sequências de tiroteio e de perseguições. Os efeitos são algo incipientes, embora absolutamente secundarizados pela preocupação de contar uma história com subtilezas que podem passar despercebidas. Tal como o título original indica, e o título português ignora, este filme deve ser visto a partir da perspectiva dos índios. A figura do desertor herói é já por si fortemente polémica, mais ainda por Sterling Hayden não lhe oferecer problemas de consciência. A decisão de fazer-se passar por um Major assassinado mistura oportunismo individualista com uma vontade algo ligeira de fazer qualquer coisa de moralmente aceitável. A flecha cravada na poeira é também um símbolo dessa união, assim como o é da união de duas tribos rivais contra a cavalaria.
A primeira vez que vemos um índio neste filme é logo na sequência inicial, quando Bart Laish entra numa taberna para beber um uísque enquanto foge de um grupo de soldados que o tenta capturar. O índio está de costas, dentro da taberna, a observar um par de botifarras. Não lhe vemos o rosto, sabemos que é índio pelas vestes e pela pena no cabelo. Há ainda dois jogadores numa mesa e uma criança que se aproxima de Bart Laish para pedir esmola. Este pergunta-lhe se é órfão, ao que a criança responde afirmativamente. Dá-lhe uma moeda e deseja-lhe sorte. Logo de seguida a criança avisa-o da aproximação dos soldados e Laish parte, mais uma vez, em fuga. Qual o papel daquele índio que vemos pela primeira vez de costas? Terá alguma relevância nesta sequência inicial?
Logo de seguida, iremos encontrar índios mortos, tombados em combate na sequência de emboscadas sucessivas, vamos encontrá-los prontos para a guerra, organizando-se com flechas e machados contra as armas de fogo da cavalaria. Rasacura é o chefe dos Pawnees, aqui aliados com uma tribo Apache, protagonista sem falas e apenas uma efémera aparição. Os índios não falam neste filme, limitam-se a atacar com comportamentos que obrigam os seus adversários a questionarem-se sobre o porquê daquelas inusitadas acções de guerra. Bart Laish será uma espécie de intérprete neste conflito, fragilizado pelo embuste que é a sua situação particular e que o obriga a relações de confiança com Crowshaw — o batedor que sabe não ser Laish o Major Andy Pepperis, mas que ainda assim aposta não o denunciar. Por que ataca Rasacura esta caravana quando deixou passar todas as outras? O que tem esta caravana de especial? Por que se dirigem especialmente nos seus ataques a uma das carruagens? Perceberemos tudo isso no final.

O interesse de Arrow in the Dust está no jogo hermenêutico exercido entre as duas partes do conflito e na relação de confiança mantida entre Crowshaw e Laish. Tal como o índio que no início observava um par de botas ocidental, Bart Laish observa os índios e tenta compreendê-los. Percebe que a guerra deles não é uma guerra pelo poder, é antes uma guerra pelo equilíbrio de poderes. Eles não pretendem arrasar o inimigo, pretendem não ficar à mercê do inimigo. A luta dos índios neste filme é, tal como a luta interior de Bart Laish, uma luta pela liberdade e pela autonomia. Daí que seja justo considerar o desertor Sterling Hayden como o único índio a quem Lesley Selander ofereceu falas nesta narrativa. Não podemos deixar de lhe gabar a ousadia, que à época não era assim tão indiferente quanto isso. Estávamos no auge do McCarthyism, política de perseguição que teve no actor Sterling Hayden uma das suas mais famosas vítimas. Acabou por confessar ligações ao comunismo delatando colegas de trabalho. O arrependimento não sanou as feridas.

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