quinta-feira, 17 de agosto de 2017

"TÃO VAGABUNDO EU FUI"

Se excluirmos o conto Ossobó, a Obra Poética de Ruy Cinatti iniciou-se em Março de 1941 com a publicação de Nós não Somos deste Mundo. O primeiro verso desse livro é inteiramente definidor da obra subsequente e da biografia que a sustentou. Raramente um primeiro verso terá sido identicamente sintomático de uma obra tão vasta, aparentemente num pretérito perfeito desadequado em livro de estreia. O poema:

1

Tão vagabundo eu fui
Neste campo de flores e silvas;
Aqueles que eu conheci não só vieram
Como se esconderam além de mim.

Em vão procuro arrancá-los,
A eles que por amigo me tomaram.
No sangue, indistintos, já de carne,
A carne do meu espírito formaram.

Agora, eu procuro a extrema-unção.
Mergulho num mar como se vê nos sonhos;
Não existem fantasmas que me salvem
E os outros desconhecem-me a imaginação.

Eis que eu apelo aos que me odeiam,
Dobrando-me a um tormento mais terrível;
Os que me amam, conhecem o mistério
Que torna a minha voz inesquecível.


Ruy Cinatti, in Obra Poética, Volume I, pref. Joana Matos Frias, Assírio & Alvim, Outubro de 2016, p. 55.

2 comentários:

Evandro disse...

Quase nada conheço deste poeta senão o que li neste blog. Recomendas-me o "Sete Septetos"?

hmbf disse...

Sim. Recomendo tudo, sem qualquer hesitação.