Hamm está no centro da cena, quer estar no centro. Cego, paralítico
da cintura para baixo, quando é deslocado no seu trono com rodinhas pede a Clov
que o recoloque no centro. São inúmeras as especulações acerca do nome desta
personagem. Hamm de hammer (martelo), simbolizará a tirania e a força da
intimidação. É uma hipótese. Neste caso, é uma tirania do nada, do vazio,
arruinada. É dele a derradeira fala de “Jogo do Fim”, para nos dar poesia: «Um
pouco de poesia. (“Um tempo.”)Tu gritavas — (“Um tempo. Corrige-se.”) Tu clamavas
pela noite; ela vem — (“Um tempo. Corrige-se.”) ela cai: ei-la que chega. (“Recomeça,
entoando.”) Tu clamavas pela noite, ela cai: ei-la que chega. (“Um tempo.”) Bonito
isto.» Trata-se de uma citação do poema “Recueillement”, d’“As Flores do Mal”
de Charles Baudelaire. Ei-lo, na tradução de Fernando Pinto do Amaral:
Esperavas pela noite; ela desceu; repara
Na atmosfera obscura que envolve a cidade
Distribuindo paz e angústia pelos homens.
Açoitada pelo corrupto impetuoso dos prazeres
Vai colher mais remorsos no mundano,
Dor minha, dá-me a tua mão, vem comigo
Debruçar-se sobre as varandas do céu
Para ver surgir das águas a mágoa já inocente,
Como um longo sudário que se estende do Oriente
Ouve a noite, minha dor, ouve como se avança doce.
Charles Baudelaire, in “As Flores do Mal”, trad. Fernando Pinto do Amaral, Relógio D’Água, 2003. Na imagem, Fernando Mora Ramos ensaia Hamm. Fábio A. Costa será Clov.
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