“Jogo do Fim” é a versão original de Isabel Lopes para
“Fin de partie” (1957), peça que o Nobel da Literatura Samuel Beckett escreveu
em francês antes da versão inglesa “Endgame”. Posterior a “À Espera de Godot”,
era para Beckett a preferida das suas peças. Compreende-se a preferência pelo
modo como se concentram em “Jogo do Fim” todos os grandes temas beckettianos:
tempo, ser, existência, anormalidade.
No xadrez da cena jogam o rei Hamm e o peão
Clov, numa interdependência reconfiguradora das figuras de um Senhor caído em
desgraça e de um Escravo incapaz de se libertar. Nagg e Nell são as peças
tombadas para fora do tabuleiro. Sobras de um passado indefinido, espreitam do
fundo de caixotes do lixo como a memória espreita do fundo do pensamento. Num
tempo para lá do tempo, quatro personagens são o que sobra da humanidade numa
espécie de bunker, refúgio, abrigo ou covil, em torno do qual um mar de cinzas
tomou conta da natureza.
Escrita na ressaca da Segunda Grande Guerra,
sob a ameaça de um conflito nuclear, o “Jogo do Fim” é o retrato de um espaço e
de um tempo possíveis após o apocalipse. A um cessar do tempo corresponde
também a claudicação das utopias, a ausência de horizontes, a memória feita
detrito, uma espera em que o presente se joga na ausência de qualquer
perspectiva acerca do futuro.
O universo especulativo de Samuel Beckett
abre-se a inúmeras analogias com uma actualidade assaltada pela vertigem do
apocalipse, seja pelos campos de concentração onde milhares de refugiados
desesperam no vazio, seja pelos lares da nossa vergonha onde a velhice definha
lentamente. Trágica, mas ao mesmo tempo cómica, de uma ironia subtil repleta de
gagues em contexto de absoluta estranheza, é à personagem de Nell que cabe uma
síntese eventual deste jogo:
«— Nada mais ridículo do que a infelicidade, concordo contigo. Mas…»
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