quinta-feira, 26 de novembro de 2020

UM NATAL ESPECIAL

Havia dois grandes momentos de Natal no shopping, a chegada do Pai Natal e o fecho das lojas às 19h do dia 24. O primeiro atraía centenas de famílias com crianças atreladas, vestidas a preceito ou pintalgadas nas faces já em pleno recinto. Era uma loucura de se ver, as galerias dos três pisos atoladas de gente a tirar fotografias. A chegada do Noel fazia-se acompanhar da visita de uma individualidade, que para o caso correspondia ou a um actor de telenovelas ou a um ex-concorrente de reality shows. As pessoas da província adoram ser visitadas pelos grandes vultos da cultura portuguesa. A barulheira infernal dificultava a comunicação com os poucos clientes que arriscavam entrar na livraria naquelas condições, para aos berros nos pedirem o ÚLTIMO LIVRO DO NICOLAS ou nos perguntarem onde tínhamos arrumados os livros de 5€. Este conceito de arrumação prende-se com as necessidades de cada um. Para muita gente, nesta altura, não interessa o que se compra, mas sim o valor do que se compra. Para não oferecerem meias, pediam livros a 5€. Mas houve um Natal que me ficou especialmente na memória, tudo por causa de um Papai Noel descaradão que parecia andar por ali mais para divertir lojistas do que clientela. Era um regalo vê-lo encostar-se ao balcão do café para beber uma mini com as barbas descidas à papeira, um pouco como agora fazemos com as máscaras cirúrgicas. É para refrescar, o fato está quente, justificava-se. Depois ia até à porta do shopping, pendurava as barbas nas orelhas e fumava uma cigarrada. Os putos que há minutos tinham estado sentados ao colo do Pai Natal, para que os pais pudessem tirar as suas inolvidáveis fotografias, olhavam-no incrédulos, puxados pelos braços de progenitores arreliados com as promoções de samart tvs na Rádio Popular. Outro número deste Pai Natal heterodoxo dava-se no corredor para o trono da bela foto. Os putos faziam fila. Quando chegava a vez de saltarem para o colo do Noel de serviço, este fazia sinal para que avançassem e as crianças davam passinhos hesitantes na sua direcção. O malandro fazia então sinal para que parassem, apontava na direcção das mães e convidava-as a virem sentar-se na sua coxa gorda. Umas riam muito, outras não achavam graça nenhuma. Os pais quedavam com os telemóveis na mão e obedeciam à vontade das mães. Apesar dos avisos sucessivos da segurança, o Pai Natal atrevido manteve até ao fim o comportamento irrepreensivelmente desobediente. Paguei-lhe um moscatel no último dia.

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