Enesidemo aguardou ajoelhado pela
aprovação do mestre. Escrevera um “Tratado Acerca da Vaidade” que julgava ser o
melhor alguma vez concebido. Cansado de o ver prostrado, Hipólito aceitou-o no
seu círculo para felicidade do discípulo e orgulho da família. Formoso petiz,
filósofo feito de frases refundidas, Enesidemo morreu convencido de que
almejara a eternidade. Mas do seu tratado chegaram-nos meros fragmentos
intraduzíveis. Os melhores gregos ficaram esquecidos em papiros apócrifos
lacerados por estiletes de sangue.
Écio, irmão de Numénio, autor dos “Ensaios
Pagãos”, viveu a vida inteira na sombra do irmão. É deste a célebre “Refutação
dos Deuses”, afamada por haver alvitrado o declínio dos povos e das nações. Quem
se lembra hoje de Numénio, o franzino? Quem o cita ou refere? Menos serão ainda
os afortunados que algum dia ouviram falar dele, desse nome que ecoa na
história do pensamento tão-somente o espectro da inveja que o tolhia. Contam-se
anedotas acerca dessa invidia que o afogou no próprio fel. Os melhores gregos
ficaram esquecidos em papiros apócrifos lacerados por estiletes de sangue.
É incerto o número de livros que formam
as “Opiniões” escritas por Iâmblico de Palmira, grego por adopção de Proclo,
para quem terá sido escravo, filho, amante, e de quem por assédio se diz ter
posto mão e metido ombros no açambarcamento de fortuna inaudita, haurindo
encómios de que sobejam vagos sopros contraditórios. Os melhores gregos ficaram
esquecidos em papiros apócrifos lacerados por estiletes de sangue.
Arnóbio, para não nos alongarmos, foi o
verdadeiro autor de tudo quanto Platão imputou a Sócrates, particularmente das
máximas consagradas pela boca do povo como fundadoras do pensamento ocidental,
derradeiro império declinado: só sei que nada sei, conhece-te a ti mesmo, estar
vivo é o contrário de estar morto. Sob influência de Arnóbio, sabe-se hoje,
terá Sócrates designado Platão para seu gravador. Os melhores gregos ficaram
esquecidos em papiros apócrifos lacerados por estiletes de sangue.
Não olvideis as lições legadas pelas
vidas destes homens. O esquecimento é o navegador implacável que por fantasia
deu com o continente da memória reclamando-se seu dono e senhor.
Os melhores gregos ficaram esquecidos em
papiros apócrifos lacerados por estiletes de sangue.
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