domingo, 23 de maio de 2021

3 DEMISSIONETOS E UMA ODE

 


pública forma de 3 demissionetos em papel selado

44.

João Pedro Grabato Dias, lá
assinado abaixíssimo de tudo,
natural de Inhaminga, mas cria.
do no seco chão duriense, mudo

mas prolixo de sons, quando lhe dá
pr'aí, trinta e sete anos feitos, rudo
João, como um penedo pedro, ma-
gro de andar a dias ao grabato, bo-

çal sem sal, pro môr dos trinta e tal
milhões de companhias más, casado
com todas que me queiram, e bastardo

dum beberrão nado morto e duma tal
viuva virgem, milaneto enfartado
de judas, de asterix, e de um bardo

45.

merdólicoso hindú e ainda mais
com sangue escravo mas disfarçadíssimo,
morador (com geleira) rua Pais
da Pátria (e telefone) num baixíssimo

número (nem digo, por pudor), Olhais
de baixo, (e talvez, por tal, miopíssimo)
África, Costa a leste irreais,
hemisferiado neste sul quentíssimo,

junto a Vossa Excelência solicita,
mui respeitosamente, e etecetera,
por motivos tais como : pouca guita

de papagaio e trôpa vulva asceta,
se digne aceitar a ida súbita
deste terceiro oficial marmota.

46.

Allranço Mortos, vinte e sete, Agosto,
um milhar novecentos e setenta
anos depois do Objector do Gosto.
(com o assim natura reconhisedenta)

(Nota a vermelha sangue vaca :) Posto
o impróprio tom, mais língua na pimenta
ou véce virsa, e baixe-se de posto.
(assim nado :) governo a dor Pimenta.

(Nota baça a lápis respeitoso : )
Ouso notar a vóscelência a dura
punição, e lembrar-lhe que este moço

é primo, por tabela, da Doutora
Joaninha A. Boa. (Em azul-tremoço :)
Promova-se. (lápis :) Ligue à doutora.


ODE PRESSAGA
dois fragmentos de uma 1.ª versão

I

haverá um lugar onde a flor do pranto
tenha calmas raízes sob névoa e torpor
haverá um lugar onde endormido e brando
já me estarei esperando rociado de horror
haverá um lugar onde pensá-lo seja
estar dos medos além sem a rota suspeita
haverá um lugar de rosmano e carqueja
ninho dum teu amor onde ninguém se deita
haverá um lugar onde a soma das coisas
se divida por si sem agonia em resto
haverá um lugar onde o brilho da loiças
possa evocar o lar onde esperas meu rosto
haverá um lugar com cadeiras de enfim
esperar o tempo todo que os tempos se resolvam
haverá um lugar onde o começo é fim
e os ciclos ordenados a malícia confundam
haverá um lugar com cadáveres tranquilos
ornadando as paredes e regalando a vista
e haverá um cadáver com um lugar de trilos
ocupando nas órbitas um odor de lentisco
haverá um lugar onde as avós se riam
num dentilhar postiço um riso verdadeiro
haverá um lugar com rebanhos que fiam
a própria lã nas fáuces do ogre carniceiro
haverá um lugar onde morreram todos
os anões do remorso e os truões da baixeza
haverá um lugar onde os uivos dos lobos
sejam serzidos nões no zumbir das abelhas
haverá um lugar com papaias de cobre
rachoadas do odor que as palavras tilintam
haverá um lugar onde o pranto se dobre
sobre as recordações que os meus linhos consintam
haverá um lugar de tâmaras nos dentes
e um aprovar suave de franjas sob as copas
haverá um lugar todo em pãezinhos quentes
com vozes de manteiga sobre a toalha posta
haverá um lugar onde unção seja cio
de faminta amizade sobre terra lavrada
haverá um lugar de cães e desfastio
aninhados no bafo de uma tarde coalhada
haverá flores de dentes pelas jarras quietas
e uma cama de mãos ternurinhas e cócegas
haverá um lugar com sossego em gavetas
e de perpétua boda sândalos e cânforas
haverá um lugar de escaninhos secretos
de tempestades peixe a bransequir os ossos
haverá um lugar de triturar infestos
aconteceres de mágoa em ecos pelos paços
haverá um lugar de aprovadoras pedras
na lagariça calma do nosso esperar tudo
haverá um lugar onde carnes e sedas
germinem no teu ventre um deslizar sizudo

II

haverá um lugar habituado aos usos
que já demos às coisas em que tínhamos fé
haverá um lugar de protótipos lusos
pouco mais interessados que em manter-se de pé
haverá um lugar dois lugares três lugares
na geral no balcão na coxia no palco
haverá um lugar com vulcões em andares
sobrepostos de tédio cuerinhos e talco
haverá um lugar sem lugar a mais nada
que aconteceram coisas guardadas pra exemplo
dum lugar a alugar na lôbrega fachada
deste comércio engano desenganado a tempo
haverá um lugar onde um irmão nos derrube
com a só força do pranto com a só força da fome
haverá um lugar onde um irmão nos assome
impedindo no gesto o navegar da mão
haverá um lugar com videiras e palmas
para que a transição seja nossa e suave
haverá um lugar com lugar para as almas
já liofilizadas no tutano da cave
haverá um lugar um lagar um lagarto
um logro um odre um ogre um óptico logradoiro
um lugre alegre um lúgubre post-parto
um lupanar de linces uma mortalha de oiro
um lagarto um lagar de lugares de haverás
de logros ôdres ógres òpticamente certos
de lugres aportando em chávenas de chá
de amostrar às visitas em recintos discretos
haverá um cansaço um bocejo um adeus
uma guitarra ao canto um último cigarro
haverá uma pausa e alguma coisa-deus
por um cerrar de porta por um escarrar de sarro


João Pedro Grabato Dias, in Sonetos de Amor e Circunstância, 2.ª edição, corrigida e aumentada, Lourenço Marques, edição de Académica Lda, 1975, s/p.

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