tirava selfies
nas manifestações
nos braços
do voo debaixo
da neve
frágeis ideias
em troca de cossery
a família permitira
dar de comer
à vida selvagem
depois da hóstia
construtores erguiam
a ajudante da casa
no braço esquerdo
cinco no olho não plano
esperaram os dentes
fazer aves
no ringue
no avião secreto
da canalha
disse aos que lutavam
pelo salário
com o braço direito
ganho o dobro
ao efetuar esta chamada
habitual nas estatísticas
em cima de um banco
um revolucionário limpava
desejo de executive
caiu no convite
para chá no domingo
e o saldo não lhe permite
saber o que fazer
José Pinto (n. 1988), in Chá para o nevoeiro (Urutau,
Abril de 2021). Psicólogo de formação, escreve poesia e textos dramáticos. Publicou
Humanus (Portugal, 2015), TOCA: oito poemas de amor e uma canção
angustiada (Portugal, 2021), Chá para o nevoeiro (Brasil-Galiza,
2021) e participou em livros colectivos, revistas, fanzines. É curador da
Associação txon-poesia (Cabo Verde). Os poemas de Chá para o nevoeiro têm proveniências
muito diversas, devidamente expostas num texto final onde percebemos com clareza
a raiz intertextual dos textos coligidos. Alguns foram reescritos, este e
aquele resultaram de colaborações com músicos, aquele e aqueloutro são
adaptações de poemas traduzidos. A interdisciplinaridade e a tradução funcionam
aqui como metodologia, não sendo isso perceptível de imediato na maioria dos
casos. Geralmente em verso, alguns poemas em prosa, tais como a sequência
intitulada Cap Ferret ou Como quem acorda, entre outros, denotam um gosto pela
experimentação que não reconhece fronteiras linguistas e liberta a linguagem de
peias semânticas, gramaticais e sintáticas. Em verso, esta poesia parece-nos
elíptica e vertiginosa, devedora de automatismos mais dados ao registo
impressionista do que ao desenvolvimento reflexivo ou contemplativo das
situações aludidas. Trata-se de uma poesia fortemente ligada às vivências
singulares do autor, aberta à intromissão de múltiplas referências.
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