sábado, 10 de julho de 2021

FAZER AVES

 


 

tirava selfies
nas manifestações
nos braços
do voo debaixo
da neve
frágeis ideias
em troca de cossery
a família permitira
dar de comer
à vida selvagem
depois da hóstia
construtores erguiam
a ajudante da casa
no braço esquerdo
cinco no olho não plano
esperaram os dentes
fazer aves
no ringue
no avião secreto
da canalha
disse aos que lutavam
pelo salário
com o braço direito
ganho o dobro
ao efetuar esta chamada
habitual nas estatísticas
em cima de um banco
um revolucionário limpava
desejo de executive
caiu no convite
para chá no domingo
e o saldo não lhe permite
saber o que fazer
 
José Pinto (n. 1988), in Chá para o nevoeiro (Urutau, Abril de 2021). Psicólogo de formação, escreve poesia e textos dramáticos. Publicou Humanus (Portugal, 2015), TOCA: oito poemas de amor e uma canção angustiada (Portugal, 2021), Chá para o nevoeiro (Brasil-Galiza, 2021) e participou em livros colectivos, revistas, fanzines. É curador da Associação txon-poesia (Cabo Verde). Os poemas de Chá para o nevoeiro têm proveniências muito diversas, devidamente expostas num texto final onde percebemos com clareza a raiz intertextual dos textos coligidos. Alguns foram reescritos, este e aquele resultaram de colaborações com músicos, aquele e aqueloutro são adaptações de poemas traduzidos. A interdisciplinaridade e a tradução funcionam aqui como metodologia, não sendo isso perceptível de imediato na maioria dos casos. Geralmente em verso, alguns poemas em prosa, tais como a sequência intitulada Cap Ferret ou Como quem acorda, entre outros, denotam um gosto pela experimentação que não reconhece fronteiras linguistas e liberta a linguagem de peias semânticas, gramaticais e sintáticas. Em verso, esta poesia parece-nos elíptica e vertiginosa, devedora de automatismos mais dados ao registo impressionista do que ao desenvolvimento reflexivo ou contemplativo das situações aludidas. Trata-se de uma poesia fortemente ligada às vivências singulares do autor, aberta à intromissão de múltiplas referências.

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