terça-feira, 13 de julho de 2021

UM POEMA DE PAULO DA COSTA DOMINGOS

 


vii

Éramos uma casa edificada
nas traseiras da tortura,
com a serpente que güarda

o termómetro de mercúrio.
Da varanda víamos os jogos
de sociedade e socialização

dos miúdos emporcalhados. Ali,
esporadicamente, o teatro de robertos
e o assobio do amola-tesouras, isso,

vinha cobrir, com sua música e ditos,
uivos dos prisioneiros do Estado e
as intrigas pendentes de mulheres-

-a-dias. Nosso amor corrompe
essa linha divisória no labirinto
estéril do tirano: do calabouço

já se disse qüase tudo, mas havia
a caserna, o liceu, o hospital
e o manicómio ali tão perto...

Fomos uma casa do passado
e, aqui chegados, não sei
qüal a próxima Galáxia.


Paulo da Costa Domingos, in cadeiras vazias, com bordado de Isabel Duarte Barreto reproduzido na capa, Averno, Junho de 2021, p. 24.

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