TURNPIKE (1953)

 

O que nos aconteceu, Jay Jay? Senta-te a meu lado, bebe da minha garrafa. Porque traz infelicidade aos outros a alegria que sentimos? Ó, falhámos naquilo em que era suposto sermos bem-sucedidos. O sucesso. Isso, uma casa melhor do que este barraco velho com paredes bolorentas e torneiras a pingar. Um carro que não roncasse do motor como ronca o amor desde que a paixão partiu para sempre, sabe-se lá por que motivos, e o desejo cavou a própria cova num cemitério de sonhos e de promessas e de ilusões. Ah, a casa, o carro, e viagens a lugares inesquecíveis, de preferência em hotéis confortáveis, com pequenos-almoços que são insultos a quem passa fome. Tanto gozo desperdiçado, Jay Jay, tanta vida boa deixada para trás em nome desta alegria que só traz infelicidade aos outros. Senta-te a meu lado, bebe da minha garrafa, ainda é possível irmos à boleia a Marte. É provável que encontremos por lá um estalajadeiro que nos trate como merecemos, matando-nos sede e fome com mãos leves e lábios húmidos. Uma mulher, quem sabe, que volte a amar-nos sem cansaços, sem suspiros. Uma mulher que se deslumbre com a nossa alegria e recuse apodrecer antes de tempo, fiel àquele olhar deslumbrado com que as manhãs colhiam noites e as noites pareciam infindáveis. Nós, Jay Jay, os dois, tendo por cobertor o céu e por colchão a relva, sabemos quão precária é esta condição de não trazer felicidade alguma com a nossa alegria. É uma tristeza, amigo, ver a juventude vencida como um empréstimo pago a prestações. E agora? Que se foda, senta-te a meu lado e bebe da minha garrafa. Toca-me um dos teus temas, ajuda-me a esquecer que ainda estou vivo e disponível para amar.