domingo, 21 de novembro de 2021

WALKIN’ THE FROG (1960)

 

Um príncipe ou um sapo? Não poderá ser um sapo príncipe governando a monarquia dos charcos ao som do coaxar de coros de rãs? As rãs de Aristófenes, isso, já temos por onde ir. Há nas palavras um efeito electromagnético, umas puxam outras e estas puxam-nos a nós e a gente vai sem saber para onde, mas vai, porque a gente precisa de ir a algum lado. Nem que seja um lado ao lado do lado onde melhor nos ajustaríamos, talvez um lago, talvez não um charco, talvez um lago com peixinhos e sapos e rãs e outros anfíbios. Que elegância, eu para aqui aflito sem ter o que dizer e a inventar coisas, a ver se alguma chega ao tipo daquela da noite passada: as palavras não estão sozinhas no mundo, sozinhos estamos nós, as palavras têm muita companhia, andam de boca em boca absorvendo significados novos ou renovados ou velhos ou revelhos. Para dizer a verdade, acho que não tenho nada a dizer, estou sem emoção nem sentimento, a cabeça atolada de imagens e sem palavras, caminho como um sapo aos pulos, detenho-me por instantes encostado às paredes da memória, sou assaltado por saudades e nostalgias, começo frases a que não me apetece dar continuidade. Para quê? Para quem? Fosse viva, faria anos hoje. Lembro-me disto e basta-me. Bebo para esquecer e nesse esquecimento vislumbro alegria e na alegria lavro e semeio e colho grãos de vontade com que alimento os dias, um a um de cada vez, para não doer muito, ajustando-lhes a banda sonora ideal: Cambridge Blues, Brute’s Roots, Walkin’ The Frog, Rabbit Pie… Se não for o saxofone de Johnny Hodges a salvar-me deste vazio, da monotonia e do tédio, o que poderá salvar-me? Um príncipe sapo encantado? A quem deverei dirigir as orações? Por mais que sejam as coisas feitas, realizadas, sempre o buraco negro da insatisfação sugando-me para o estômago da baleia. Por mais que faça, tudo por fazer e nisso nenhuma excitação, apenas e tão-somente esta sensação de não valer a pena ou talvez a de ser o esforço a pena que vale, aquela que mergulhada na tinta nos permite assinar a página em branco de uma vida que passou e se cumpriu fazendo coisas, assobiando coisas, decantando coisas.

Sem comentários: