Henrique Manuel Bento Fialho, o poeta que já nos
desassossegou com a magnífica "Antologia do Esquecimento" (título,
entretanto, usado também num blogue de boa memória), acaba de editar, na
Abysmo, quase duzentas páginas de breves e vaporosas prosas, no sentido do
enigma mais que da hipocondria. São prosas danadas de gozo, no sentido da
travessura, mais que da hidrofobia.
O novo livro reúne textos que já vadiaram em antologias ou em revistas como a Minguante, de cujo caminho respeitável no mapa digital alguns se lembrarão. O autor deu a este novo livro o título "Micróbios", mas a única relação com a microbiologia é a que decorre de este ser um livro que trata do estudo da vida pequena. Em grande.
Tomai uma pérola: "Cresceu-lhe uma borbulha na ponta da língua. Ao espremê-la, a borbulha verteu uma série de letrinhas com que ele fez a sopa do dia".
Uma das epígrafes do livro trata de micróbios. Foi recolhida no vasto bornal de Ramón Gómez de la Serna, um vanguardista do seu tempo que também não era da microbiologia e a quem não arrumaremos facilmente em estante ou escola ou tribo. O criador das "greguerías" despertou o maior entusiasmo em Buñuel e sentou-se mais do que uma vez no Martinho com o Pessoa e com o Almada. Que diz a epígrafe? Lembra-nos que "o importante não é ter ou não ter micróbios, / mas sim tê-los ou não amestrados". Fui à estante procurar "O médico inverosímil" do la Serna que Júlio Henriques traduziu no final dos anos 90 para a Antígona. É um livro bom para ler com máscara, agora que se anunciam confinamentos. Há de tudo naquelas páginas, um estudo sobre o tifo, uma estranha análise da urina, a nossa humanidade dizendo trinta e três. E trata de micróbios, sim, na página 80 e seguintes: "Em minha opinião", assevera o homem que escreveu mais de cem livros, os micróbios "são coisa inofensiva, encantadora, ingénua, que mata".
Percebo a escolha da epígrafe no livro de Henrique Manuel Bento Fialho. Este seu livro. "Micróbios", tem a mão de um amestrador de palavras, de olhares, de gestos inofensivos que matam.
Escutai: "Genérico ou de marca?" - perguntaram na farmácia. "Com adoçante, se fizer favor".
Podemos lê-lo sem máscara. À primeira página, já estamos contaminados.
O novo livro reúne textos que já vadiaram em antologias ou em revistas como a Minguante, de cujo caminho respeitável no mapa digital alguns se lembrarão. O autor deu a este novo livro o título "Micróbios", mas a única relação com a microbiologia é a que decorre de este ser um livro que trata do estudo da vida pequena. Em grande.
Tomai uma pérola: "Cresceu-lhe uma borbulha na ponta da língua. Ao espremê-la, a borbulha verteu uma série de letrinhas com que ele fez a sopa do dia".
Uma das epígrafes do livro trata de micróbios. Foi recolhida no vasto bornal de Ramón Gómez de la Serna, um vanguardista do seu tempo que também não era da microbiologia e a quem não arrumaremos facilmente em estante ou escola ou tribo. O criador das "greguerías" despertou o maior entusiasmo em Buñuel e sentou-se mais do que uma vez no Martinho com o Pessoa e com o Almada. Que diz a epígrafe? Lembra-nos que "o importante não é ter ou não ter micróbios, / mas sim tê-los ou não amestrados". Fui à estante procurar "O médico inverosímil" do la Serna que Júlio Henriques traduziu no final dos anos 90 para a Antígona. É um livro bom para ler com máscara, agora que se anunciam confinamentos. Há de tudo naquelas páginas, um estudo sobre o tifo, uma estranha análise da urina, a nossa humanidade dizendo trinta e três. E trata de micróbios, sim, na página 80 e seguintes: "Em minha opinião", assevera o homem que escreveu mais de cem livros, os micróbios "são coisa inofensiva, encantadora, ingénua, que mata".
Percebo a escolha da epígrafe no livro de Henrique Manuel Bento Fialho. Este seu livro. "Micróbios", tem a mão de um amestrador de palavras, de olhares, de gestos inofensivos que matam.
Escutai: "Genérico ou de marca?" - perguntaram na farmácia. "Com adoçante, se fizer favor".
Podemos lê-lo sem máscara. À primeira página, já estamos contaminados.
Para ouvir na TSF, aqui.
2 comentários:
Tão bom! Parabéns!
Já tinha ouvido ontem na TSF. Entre dois escritores magníficos e que me encantam não sei qual escolher...
Abraços da época!
João Coelho
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