segunda-feira, 11 de abril de 2022

CINEMATÓGRAFO #4

 


Bem diferente do rapaz de etnia cigana dirigido por Truffaut em “O Menino Selvagem”, Brandon deWilde (1942-1972) já tinha experiência de palco quando George Stevens (1904-1975) o requisitou para o papel de Joey no western que, segundo o próprio realizador, era o seu testemunho de guerra. Graças a “Shane” (1953) ganhei o vício dos chamados filmes de cowboys. Tenho hoje com ele uma relação mais sentimental do que outra coisa, continuando porém a comover-me com aqueles apelos finais do pequeno Joey enquanto Shane se afasta montado no seu cavalo. Shane, grita, mas Shane nem sequer pára ou olha para trás. Alan Ladd (1913-1964), demasiado lavado e pouco inquietado emocionalmente, situa-se a milhas dos meus pistoleiros de eleição. Representa a figura do bom pistoleiro, herói higienizado para consumo moral, movido por causas justas e, para meu gosto, excessivamente piegas. O próprio George Stevens disse que realizou o filme por razões pedagógicas, preocupado que andava com a popularidade dos westerns mais violentos junto do público infantil. Há uma função desmistificadora nesta obra que a transforma num produto interessante para ver num domingo à tarde, não faltando os ingredientes essenciais: uma família tradicional, um jovem ingénuo na companhia do seu amável cãozinho, uma comunidade de gente boa e frágil sob ameaça de um ambicioso e prepotente empresário da região. As questões de justiça mantêm-se actuais, como acontece, de resto, nos melhores filmes do género. Os agricultores são importunados pelo criador de gado que lhes quer ficar com as terras, para que as manadas de vacas tenham pasto e ele possa prosperar onde meia dúzia de famílias se esforçam por sobreviver. Uma questão de terras, portanto. O progresso precisa de espaço, daí a invenção da construção em altura. Shane, o pistoleiro caído do céu, será uma espécie de anjo protector a quem caberá fazer frente aos mercenários do poderoso oligarca. Jack Palance é um desses mercenários, fora-da-lei de coldre duplo especificamente contratado para fazer o jogo sujo. E olhem só que tipo de jogo sujo ele faz: provoca com insultos até ser o outro a sacar a arma, certo de que nenhum daqueles indefesos porqueiros à época ainda não havia suinicultores dominará o revólver como ele domina ou terá a rapidez que ele tem. Excepto Shane, claro. Há coisas que nunca mudam.

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