Notícias recentes acerca de zoológicos sob ameaça empurraram-me para “Underground – Era uma vez um país” (1995), sátira política sobre a desintegração da Jugoslávia filmada por Emir Kusturica (1954), natural de Sarajevo, em cima dos acontecimentos. A sequência inicial, que retrata a chegada dos alemães a Belgrado durante a II Grande Guerra, é um tratado sobre os absurdos da guerra. Bombas caem sobre um Jardim Zoológico, matando, ferindo, deixando à solta animais selvagens, que ali sobreviviam encarcerados para deleite dos homens. O chimpanzé em agonia nos braços de Ivan, o tratador, é das imagens que guardarei para a vida como exemplo das contradições humanas neste mundo em que fomos aconselhados a multiplicarmo-nos para exercermos o nosso domínio sobre as outras criaturas na Terra. Revê-la agora, em DVD, não produz o mesmo efeito outrora sentido na sala de cinema, o que apenas reforça uma ideia atribuída a Hitchcock que vi citada num livro de Fernando Guerreiro: «o cinema consistia antes de mais num “conjunto de cadeiras” que antecedia e criava o lugar para a vinda dos espectadores, objectivando deste modo as condições institucionais (as de uma “instalação imaginária”) para que a sensação (experiência) do cinema se processasse como uma cerimónia (ritual) em que imerge (e se tende a dissolver) o indivíduo». Na solidão do lar somos demasiadamente indivíduos, perde-se não apenas o efeito sonoro da estrondosa música de Goran Bregović mas também, e talvez sobretudo, a possibilidade de nos comovermos entre a multidão. É uma espécie de ritual religioso sem corpo de Deus, o qual se afirma pela ausência no filme de Kusturica. Muito se escreveu sobre a alegoria da caverna a propósito de “Underground”, talvez sem se compreender a dimensão eufemística da comparação. Lá mais para diante, com Ivan internado no hospício, a conversa entre os psiquiatras oferece à problemática platónica uma dimensão que transcende a do conhecimento: «O comunismo era todo ele uma cave… O planeta é todo ele uma cave. Apetecia-me ir este Verão a Portugal, talvez ele saiba de uma estrada subterrânea até lá…» Referiam-se, em tom de gozo, ao frágil Ivan, o único que ao longo do filme não se comporta como um louco.
3 comentários:
:)
Esse tal Kusturica, em Outubro passado num concerto com a sua banda em Lisboa, proclamava pela integração de uma nova modalidade olímpica: sexo. Visionário como sempre.
Sem dúvida, Ivo.
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