Procuram-te, procuram-na, e encontram-vos ali abraçados naquele instante no calor de um Índico emprestado. Consigo ver-te com a mão sobre o seio dela; ela dorme sobre a areia da praia, tem os olhos claros levemente molhados de felicidade. E, de súbito, ei-los, dois homens armados, dois seres anónimos armados em nome da Lei chegam com os seus rostos inexpressivos, as mãos rudes. Levam-vos assim, quase nus pela praia. As crianças riem-se à vossa passagem. Tu, se bem te conheço, tentas aproximar-te dela, protegê-la do olhar do mundo. Eles dão-te uma coronhada. Caminham assim horas até à cidade, no limiar da nudez. Entram na esquadra. Os risos acompanham-vos os passos, tu já não consegues ver, a luz do meio dia mistura-se com o sangue pisado nos olhos. A última imagem que guardas dela, julgo, é a de um olhar que pede socorro enquanto um homem a leva. Tentas correr, dão-te outra coronhada. Cais por terra, sem sentidos. Acordas numa cela, tens sede. Gritas por ela. Acodem-te à lembrança os risos, o sabor da maldade nos olhos das crianças. Tão cedo, pensas. Tão tarde para mim. Tocas no lábio rebentado pela arma.
Teresa Noronha, in Tornado, Editora Exclamação, Março de 2021, p. 58.
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