domingo, 17 de abril de 2022

PRIMEIRA E ÚLTIMA CARTA AOS HERÓIS DA SEGUNDA HORA


 
 
Tu, que conseguiste apurar das águas conturbadas
um retrato rodeado amável
do então recém-nomeado
primeiro-ministro do regime que deu o bate-cu
(um homem que até conhece o Eça!);
e tu, que só não escreveste a vidonha do financeiro,
porque, com muita ética, pediste muito dinheiro;
e tu (não te fiques a rir!) que almoçavas em Queluz com o premier
enquanto fazias resistência algures;
e tu aí, que meneavas a cauda, meu bichano,
à espera de uma festa do catano
e agora juras que era por engano…
 
…que quereis vós, todos vós, ó meus heróis
da segunda hora?
 
Reentrai no sossego,
deixai as folhinhas dormidas nos arquivos,
deixai os vivos desenterrar os vivos,
que esses, sim, deram o corpo ao manifesto,
se saberem, muitas vezes, o Manifesto de cor!
 
E se fôssemos passar as vidinhas a limpo
sem desfazer nas vidinhas alheias?
 
(Eu cá por mim jogo limpo
— e a meias…)
 
Alexandre O’Neill, publicado a 12 de Agosto de 1974 n’A Capital.

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